O impacto mental da pandemia de Covid-19 continua a reverberar na sociedade, especialmente no ambiente de trabalho. Dados recentes mostram um aumento alarmante de afastamentos por transtornos mentais, como ansiedade e depressão. Apesar de muitas justificativas apresentadas — desde aumento de produtividade até pressões econômicas —, parece que algo mais profundo ocorreu: um stress pós-traumático coletivo ainda não completamente compreendido.
Durante conversas casuais, percebo uma tendência generalizada de esquecer os meses sombrios da pandemia. Memórias vagas e relatos breves revelam uma relutância em revisitar essa fase difícil. Essa espécie de amnésia coletiva me remeteu ao filme "Valsa com Bashir", onde soldados não conseguem se lembrar da guerra que vivenciaram. O que estamos enfrentando agora se assemelha a uma condição de estresse pós-traumático, um mecanismo em que o cérebro reprime memórias dolorosas como forma de autopreservação, agravando sintomas psicológicos como depressão e ansiedade.
A pandemia nos conectou a uma sensação de guerra em tempo integral, criando um estresse coletivo que permanece sem tratamento. Vivemos em um estado contínuo de alerta, sem tempo ou espaço para processar adequadamente o luto e as perdas que todos enfrentamos. Isso afeta diretamente nossa capacidade de relaxar, aumentando ainda mais o risco de adoecimento mental.
No ambiente de trabalho, entendido muitas vezes como um verdadeiro campo de batalha, a pressão não dá trégua. A comunicação é constante — 24 horas por dia, 7 dias por semana — e as tarefas se acumulam, enquanto o descanso parece impossível. Enquanto o trauma persiste, a terapia coletiva que tanto necessitamos permanece fora de alcance. Se o trauma é coletivo, a terapia para processar as informações também deveria ser, mas não será. Não dá tempo. É cada um por si. Nesse contexto, a responsabilidade recai sobre trabalhadores e líderes empresariais, que devem assumir a tarefa de fomentar um ambiente de apoio e escuta genuína, mesmo que, via de regra, não estejam preparados para isso.
Atualizações regulatórias, como a revisão da NR-1, que aborda a saúde mental no trabalho, são passos bem-vindos. No entanto, podem ser insuficientes diante da complexidade e profundidade do trauma enfrentado por muitos trabalhadores. Precisamos reconhecer o problema em toda a sua extensão e buscar soluções que realmente acolham e tratem essa nova realidade.
Vejo que empresas já entendem o problema, mas ainda não sabem o que fazer frente ao desafio. Promover o diálogo aberto sobre saúde mental, quebrando tabus e encorajando indivíduos a buscar ajuda sem medo de estigmatização é um bom caminho e não custa nada. Incentivar a prática de terapia e técnicas de relaxamento, além de oferecer suporte psicológico adequado, são medidas que também podem ajudar.
Medidas como essa serão fundamentais para que as empresas possam colaborar nesse desafio coletivo, que é vencer esse estresse pós pandêmico, e que até então vem sendo encarado de forma individual por cada um de nós.