Alguns pratos transcendem o cardápio e se tornam a alma de um restaurante, atraindo multidões e construindo legados. Do Bauru do Ponto Chic ao Fígado com Jiló do Bar da Lora, descubra como estabelecimentos transformaram receitas em verdadeiros ícones e aprenda as estratégias para criar o seu próprio "carro-chefe".
A tradição que nasce de um pedido: o bauru do Ponto Chic
Em São Paulo, o Ponto Chic é sinônimo de Bauru. Rodrigo Alves, da quarta geração à frente do negócio, revela que o sanduíche mais famoso do Brasil nasceu de um pedido inusitado de um cliente, Casimiro Pinto Neto, o "Bauru".
Ele solicitou um sanduíche com pão francês, rosbife, tomate, pepino em conserva e uma mistura especial de queijos derretidos.
"Se foi um cliente que nos deu nosso carro-chefe, quem somos nós para não os ouvirmos?", destaca Rodrigo. Para ele, o sabor é o ponto crucial, mesmo que a inovação não seja o foco.
"Podem ser receitas tradicionais, mas o tempero do restaurante é reconhecido e vira referência".
A dica de Alves é clara:
"Todo restaurante tem que conhecer e investir em sua própria identidade. Entendam a 'cara' daquela cozinha e, naturalmente, o prato próprio acaba acontecendo pelo reconhecimento dos clientes".
Sabor com afeto: o Fígado com jiló do Bar da Lora
Em Belo Horizonte, o Bar da Lora é um templo para os amantes do fígado com jiló. Eliza Fonseca, a Lora, conta que a iguaria surgiu de forma espontânea há mais de 50 anos, no Mercado Central.
"Os chapistas pegavam jilós e cebolas que caíam das caixas, pediam carnes menos nobres, como fígado, e passavam na chapa. As pessoas provaram e gostaram", relata.
Lora atribui o sucesso inicial ao preço acessível e à qualidade dos ingredientes. Hoje, mesmo com a valorização do corte, o prato segue como estrela. Mas há um ingrediente secreto:
"O pessoal fala: 'Por que seu fígado é mais gostoso?'. E eu falo: 'É porque tem amor'. Gosto do público, faço do meu trabalho um lazer".
Ela também enfatiza a importância da persistência e de se adaptar ao cliente e à região. "Se viu que não está agradando, tem que ir mudando, insistindo", pontua.
KAOL: a boemia mineira em um prato
No tradicional Café Palhares, também em BH, o KAOL reina absoluto. O nome, sugerido pelo poeta Rômulo Paes para "dar mais pompa", é um acrônimo para "Cachaça, Arroz, Ovo e Linguiça". André Palhares, da terceira geração, explica a origem:
"Nos anos 1950, os boêmios viam o jantar dos funcionários – arroz, ovo e linguiça – e começaram a pedir". Com o tempo, o prato ganhou farofa de feijão, couve e torresmo.
André considera que o único KAOL verdadeiro é o do seu estabelecimento, vendo outras versões como homenagens. A criação do KAOL, assim como os outros exemplos, foi orgânica.
A receita para um prato da casa de sucesso duradouro
Analisando essas trajetórias, algumas lições se destacam para quem busca criar um prato icônico:
- Ouça seus clientes: muitas vezes, as melhores ideias vêm de quem frequenta seu estabelecimento;
- Priorize o sabor e a qualidade: ingredientes de primeira e um tempero especial são fundamentais, seja em receitas inovadoras ou tradicionais;
- Construa uma identidade forte: conheça a "cara" da sua cozinha. Um prato de sucesso reflete geralmente a alma do restaurante;
- Considere um cardápio enxuto: André Palhares sugere: "Um cardápio menor com coisas muito gostosas pode fazer mais sucesso do que um extenso sem grande qualidade em nada";
- Conheça seu público e localização: o que funciona em um lugar pode não funcionar em outro. Adapte-se ao seu mercado;
- Paixão e persistência: "Cozinhar com amor", como diz Lora, e não desistir diante dos desafios são cruciais;
- Gestão além da cozinha: Luiz Fernando Palhares, pai de André, lembra que não basta ter uma comida excelente. "É preciso precificar certo, pensar nos custos, no atendimento. Muitos esquecem da administração".
Criar um prato que se torne a "cara do negócio" é um misto de talento, atenção ao cliente, gestão eficiente e, muitas vezes, uma pitada de sorte e espontaneidade. Ao focar na qualidade, identidade e na experiência do cliente, as chances de transformar uma receita em um legado aumentam significativamente.
Texto adaptado da edição 162 da Revista B&R - Leia a matéria completa na Revista B&R