Caritó, termo de origem indígena, ganha nos sertões nordestinos diversos significados, entre os quais “casinhola” e “mulher solteirona”. Foi baseado na segunda dessas acepções que o alagoano Manoel Antonino batizou seu bar e restaurante de mesmo nome, situado no bairro do Aleixo, na cidade de Manaus. Ponto badalado da cena noturna manauara, desde que abriu as portas em 2015, atrai levas de um público animado e eclético que costumam lotar seu recinto nos finais de semana.
Entre os seus frequentadores, passaram a se destacar logo no início um grupo de estudantes de medicina, dada a proximidade da faculdade com a casa. Pois três deles - o paulista do interior Ronan, a cearense Amanda e um terceiro, amigo deles -, presenças carimbadas nas quintas-feiras, surpreenderam os frequentadores mais assíduos do pedaço, ao simplesmente mudarem de lado no balcão e passarem a atuar como garçons e garçonete do estabelecimento nos finais de semana.
É que seu fundador e proprietário tornou-se pioneiro na utilização de uma nova modalidade de relação empregador-empregado no país, logo após a sua promulgação no bojo da Reforma Trabalhista pelo então Presidente da República, Michel Temer, em 13 de julho de 2017: o trabalho intermitente.
De acordo com ela, que alterou o decreto de 1943 da Consolidação das Leis do Trabalho, é considerado trabalho intermitente o contrato no qual
“a prestação de serviços com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador...”.
Prescreve, ainda, uma série de dispositivos, devendo ser celebrado por escrito, o valor da hora do trabalho, a forma de convocação por parte do empregador, a liberdade do empregado de prestar serviços a outros contratantes e os direitos do empregado, tais como férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro proporcional e repouso semanal remunerado, entre outras regulações. Sua regulamentação veio coroar os esforços da Abrasel há mais de uma década, transpondo limitações para novas oportunidades de geração de renda e emprego, tanto para os empregadores como para os trabalhadores.
Não só: revela-se como a principal alternativa de contratação para as que empresas que lidam com o aumento pontual e periódico de demandas e precisam de um reforço temporário em seu quadro de funcionários. Sua característica é a adaptabilidade e a flexibilidade, altamente atrativas para ambas as partes.
Trabalho intermitente no mundo
Em vigor há anos na Europa, nos Estados Unidos e em vários outros países, foi uma das grandes apostas do governo e do mercado, especialmente o setor de comércio e serviços, para a criação de novas vagas de trabalho. Naquele mesmo ano a Abrasel preparou uma cartilha contendo quarenta e oito questões levantadas junto a seus associados, com as respectivas explicações.
Na ocasião, o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, afirmou então que o trabalho intermitente “era uma conquista”, que não veio para substituir outras formas de contratação e sim para gerar mais empregos e legalizar formas ilegais descumpridoras das suas devidas obrigações.
Para quem aderiu à nova modalidade, tem servido como uma baliza, resolvendo um problema crucial na atual fase vivida por bares e restaurante brasileiros: a crescente falta de mão de obra qualificada, capaz de suprir as demandas do setor.
O trabalho temporário veio como uma alternativa capaz de suprir a carência e dificuldade de contratação (vide a matéria de capa do número 159 da B&R, “Procuram-se funcionários”). O que levou outra adepta da fórmula, Juliana Gouveia, herdeira e proprietária do lendário restaurante Gouveia em São Paulo, a adotar a opção, que assumiu após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro do ano passado, considerando constitucional, por maioria de votos, a modalidade e validando seus dispositivos na Reforma Trabalhista.
Isso porque, a exemplo de inúmeras outras decisões envolvendo as causas trabalhistas no Brasil, surgiram reações, polêmicas e divergências em relação à sua incorporação pela lei, o que levou às portas do tribunal três Ações Diretas de Inconstitucionalidade, movidas em vão pelas seguintes instituições:
- Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo;
- Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadoras de Mesas Telefônicas (Fenatell); e,
- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Industria (CNI).
Realidade do modelo de contratação
O Gouveia, como era popularmente conhecido pela população paulistana, conquistou o seu lugar ao sol ao longo das décadas, fundado que foi pelo imigrante português da pequena vila Ervedal da Beira, Antônio Xavier Gouveia, em 1944, na avenida Rangel Pestana, no centro da Paulicéia.
Mudou-se para o térreo do Edifício Mendes Caldeira próximo à Praça da Sé e posteriormente, inaugurou uma segunda unidade numa esquina no início da avenida Santo Amaro, sob o comando de seu sobrinho Sebastião. Ali se fez palco de alegres noitadas, frequentado por uma fauna festiva, com direito a famosos atraídos por sua feijoada – porque no Gouveia o prato era servido todos os dias, uma das razões de sua fama, até o seu fechamento em 2015, em razão da progressiva desistência dos sócios de Sebastião.
O presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, afirmou então que o trabalho intermitente “era uma conquista”, que não veio para substituir outras formas de contratação e sim para gerar mais empregos e legalizar formas ilegais descumpridoras das suas devidas obrigações. Coube a Juliana, sua filha, a missão de reabrir o restaurante, agora num casarão da década de 1920, restaurado e preservado, na região dos Jardins, próximo ao Parque Trianon, onde se destaca um mural, presente em um dos salões, descoberto durante a reforma e assinado pelo artista plástico suíço John Graz. Com 100 mesas e capacidade para atender até 250 pessoas, veio à tona o problema da mão de obra para dar conta do recado.
Advogada trabalhista de bares e restaurantes há 20 anos, Juliana não perdeu tempo ao tomar conhecimento da decisão do STF, passando a recorrer aos “intermitentes”, hoje em torno de 15 a 20, na faixa até 30 anos. Por se tratar principalmente de jovens estudantes universitários, o modelo utilizado é o part time jobs, isto é, meio período, com a possibilidade de migrarem do trabalho intermitente para o contrato permanente.
Falhas acontecem no processo de requisição, ela reconhece, mas no cômputo geral, o resultado tem se mostrado à altura das suas demandas e expectativas, mesmo sem obter vantagens financeiras, mantendo um empate técnico caso se mantivesse atrelada ao modelo convencional de contratação.
Outras experiências
Para Manoel tem sido diferente. Residente da capital amazonense há 14 anos, Manoel, nascido em Maceió e criado em Recife, ele tem vivenciado uma experiência mais gratificante na relação receita-despesa. “Como administrador, nós funcionamos com argumentos mas também com a matemática aplicada no nosso dia, sempre fazendo conta na ponta do lápis para ver onde podemos reduzir custos”.
Na aplicação do trabalho intermitente no Caritó, ele colocou em prática o padrão norte-americano em relação à hora trabalhada ou diária, acertos mensais das jornadas, incorporação das taxas de serviço, escala mensal encaminhada a todos no início do mês e flexibilidade baseada no perfil de cada contratado.
À frente de uma casa com 80 mesas e capacidade de lotação de 400 pessoas, com funcionamento de quinta a domingo e especializada em gastronomia, bebidas e entretenimento, ele conta com 12 intermitentes. Numa comparação com os 28 da equipe fixa, ele reconhece que houve significativos ganhos no banco de horas e na folha de pagamento. Mas alerta, baseado na sua experiência, que no começo é preciso recorrer a uma assessoria contábil e jurídica.