No segundo dia do 37º Congresso Abrasel, em Brasília–DF, a especialista em comportamento do consumidor Mayra Viana (Sebrae) e o empresário e consultor Caio Lovato subiram ao palco para debater um dos maiores dilemas do setor:
Como aproveitar as tendências passageiras sem perder de vista os fundamentos que garantem a sustentabilidade a longo prazo?
A conversa, mediada por José Eduardo Camargo, da Abrasel, trouxeram lições valiosas sobre como identificar oportunidades, testar novidades e, principalmente, construir uma base sólida que resista às movimentações de tendência no tempo.
Hype não é tendência
Abrindo a roda de conversa, o primeiro grande ensinamento veio de Mayra Viana: é preciso diferenciar uma "hype" de uma tendência real. Ela usou o exemplo do viral "morango do amor" para ilustrar seu ponto. "O morango do amor não é uma tendência, é um hype que apareceu ali, chegou no seu pico e agora está acabando", explicou.
O morango do amor não é uma tendência, é um hype que apareceu ali, chegou no seu pico e agora já está acabandoMayra Viana, SebraeSegundo ela, a hype se encaixou em uma macro tendência muito mais profunda e duradoura: a busca do consumidor por alegria e diversão. "As pessoas estão indo consumir querendo se conectar com diversão, essa é uma tendência muito forte", afirmou.
Dentro disso, há ainda uma microtendência que ela chama de "microalegria": pequenos prazeres, como um docinho especial, que trazem um respiro na rotina.
A lição para o dono de bar e restaurante é olhar além do produto do momento e entender o comportamento que o impulsiona. Viana ainda deu uma dica do que pode ser a próxima onda: "O Labubu", um chaveiro de um monstrinho que já inspira a criação de bolos e doces em confeitarias de São Paulo. "Esses hypes nem sempre vêm do próprio setor de alimentos. É importante estar de olho no mundo criativo que está acontecendo na internet", aconselhou.
Para embasar a discussão, ela trouxe dados da pesquisa Sebrae/Abrasel que mostram o que o consumidor realmente valoriza na hora de escolher um estabelecimento:
- Limpeza e higiene;
- Cordialidade e bom atendimento;
- Ambiente agradável;
- Sabor e comida gostosa.
A lista mostra parte do cenário geral e pode sofrer alterações conforme a região.
Pilares do sucesso
Em contraponto à fala de Viana, Caio Lovato trouxe a filosofia do fundador da Amazon, Jeff Bezos, para o centro do debate. Em vez de perguntar o que vai mudar, a pergunta mais poderosa seria: "O que não vai mudar daqui a dez anos?".
Para Lovato, a resposta se apoia em três pilares, os quais são a base de qualquer negócio de sucesso:
Preço Baixo (Valor Percebido): não se trata de entrar em uma guerra de preços, mas de garantir que o cliente saia com a sensação de que pagou um valor justo pela experiência que teve. "Quando ele sair feliz, ele vai pensar: 'poxa, eu vou voltar lá'", explicou.
Entrega Rápida (Agilidade no Serviço): o conceito vai além do delivery. Lovato deu o exemplo prático de um restaurante que atende funcionários com apenas uma hora de almoço. "Se você servir esse prato para ele em 20 minutos, cara, não vai dar tempo. A experiência dele vai ser ruim e ele não volta". Segundo ele, o tempo ideal do pedido até a chegada do prato, nesse caso, é de até 8 minutos.
Seleção Fácil (Cardápio Inteligente): um cardápio precisa ser enxuto, bem organizado e fácil de navegar. "O McDonald's está fazendo isso desde 1970. Por que a gente está errando hoje?", provocou, reforçando que a clareza na escolha é um fundamento atemporal.
Como testar novidades sem prejuízo?
A pergunta que fica é: como traduzir tendências em um cardápio sem arriscar demais? A resposta está em testar de forma inteligente. Caio Lovato defende o conceito de MVP (Mínimo Produto Viável).
Deem autonomia aos colaboradores para que eles possam te entregar. Na maioria das vezes, você vai ter algum colaborador novo que vai estar vendo a rede social e vai estar te direcionando.Caio Lovato, empresário"Coloca lá, em pouca quantidade, e veja se os consumidores vão comprar ou não", ensinou. E complementa narrando a experiência com o morango do amor, sobremesa que viralizou nas últimas semanas.
"A primeira leva, a gente vendeu tudo. No segundo dia, você já vê que vendeu um pouquinho menos. O terceiro, um pouquinho menos. Então, eu sei que a hype está passando". O mantra é: "acerte rápido e, se você errar, corrija rápido". Se um produto não vende no primeiro dia, ele deve ser retirado imediatamente.
Viana complementou com outra estratégia de baixo risco: as parcerias. "Uma pizzaria não vai parar para produzir morango do amor de um dia para o outro, mas ele pode revender de uma confeitaria", exemplificou.
Como se manter informado no dia a dia?
Para o dono de restaurante, cujo tempo é escasso, a tarefa de se manter atualizado é um desafio. Os palestrantes deram dicas práticas. Viana sugeriu acompanhar plataformas de tendências (como DataSebrae), ficar de olho no que acontece em outros países e, claro, nas redes sociais.
Já Lovato destacou um fator interno crucial: dar autonomia à equipe. Ele contou que a iniciativa de criar o morango do amor em seu negócio partiu da sua equipe de confeitaria, sem que ele precisasse pedir. "Quando eu vi aquilo pronto, eu fiquei maravilhado. Eu falei, cara, esse é o jogo. Deem autonomia aos colaboradores para que eles possam te entregar. Na maioria das vezes, você vai ter algum colaborador novo que vai estar vendo a rede social e vai estar te direcionando".
No fim, a lição do painel é que o sucesso não está em escolher entre a hype e o fundamento, mas em construir um negócio com pilares tão sólidos que ele possa se dar ao luxo de "surfar" as ondas do momento, capturando o entusiasmo do público sem correr o risco de se perder no básico.