Fora do lar, dentro do negócio
Última edição

Servir ou ser servil? Sua equipe precisa parar de pedir desculpas

Facundo Guerra em 2021 como investidor na temporada do Shark Tank, programa de empreendedorismo produzido pelo Sony Chanel. | Foto: Divulgação/facundoguerra.com.br

Tempo de leitura 5

Muitos gestores criam "robôs ansiosos" ao focar apenas em processos. Saiba por que a verdadeira excelência exige dar permissão à brigada para sair do roteiro e entender o humor do consumidor

Danilo Viegas 04/12/2025 | 14:10

A benção (e talvez maldição) do jornalista é nunca parar de farejar histórias que podem virar notícias. Em São Paulo para uma entrevista com os empresários à frente do Grupo Família Dargas, empresa que conta com 13 restaurantes em seis marcas diferentes, almocei com Charles Faria. 

Filósofo de formação e criativo por natureza, Charles toca a parte de coquetelaria do grupo e me contou sobre as diferenças de personalidade entre as marcas. O “filhote” é o Boteco Bolovo, com espírito descontraído em  homenagem aos botecos clássicos, sem engessamentos na arte de atender.

Quando eu já pedia o Uber para outro compromisso, Charles me disse que estava refletindo sobre as diferenças entre “servir e ser servil” quando o assunto é atendimento ao cliente. Meu carro chegou e a conversa terminou com esse “corte lacaniano”, no jargão da psicanálise.

Fiquei matutando sobre esse “servir e ser servil” e o algoritmo do Instagram - lendo minha mente - me presenteou com um vídeo do empresário Facundo Guerra (à frente do Formosa Hi-Fi e Cabaret Love Story, entre outros) sobre a confusão entre serviço e hospitalidade. 

Para Facundo, serviço é o mínimo. “Bom dia, boa tarde, boa noite, muito obrigado, uma batatinha frita acompanha seu pedido, aqui está a tua conta”. Já a hospitalidade é encarada por ele como uma espécie de arte. “É entender que aquele cliente pode estar de mau humor, ele está precisando de um afago, ou ele precisa ser deixado quieto porque ele não está no melhor dos casos”.

Ensinamos nossos times a baixar a cabeça quando deveriam estar lendo mentes

Pois é. Vi o vídeo e juntando essas reflexões resolvi escrever esse texto. Existe uma confusão perigosa nos salões brasileiros, uma herança colonial que contamina a gestão. Ensinamos nossos times a baixar a cabeça quando deveriam estar lendo mentes. Confundimos a nobreza do servir com o rebaixamento do ser servil. E, ao fazer isso, podemos estar sabotando a experiência do cliente e, consequentemente, a última linha da experiência, do relacionamento entre marca e consumidor.

A reflexão provocada por Charles e Facundo toca em uma ferida. Se você entrega apenas serviço, você é uma máquina de vendas automatizada. Nada contra caso essa seja a natureza do seu negócio. O problema é empreender em hospitalidade e ter apenas esse toque frio, afinal o mantra é verdadeiro: “gente gosta de ser cuidada por gente”.

Muitos gestores, na ânsia de padronizar processos (ok, legítimo), transformam seus atendentes em robôs ansiosos. O garçom que interrompe uma discussão de casal ou uma negociação tensa para perguntar, pela terceira vez, "se está tudo bem", não está servindo e sim sendo importuno. Ele está cumprindo um checklist de "excelência" desenhado por quem não entende de gente. Esses sim talvez sejam substituídos por inteligência artificial que não erram e tiram pedidos melhor que ninguém.

A hospitalidade deve ser altiva. Para entender se o cliente quer palco ou anonimato, se quer ser mimado ou deixado em paz, o profissional precisa de autonomia proativa e propositiva.

A postura servil é defensiva. Nesse esquema o funcionário tem medo: do gerente, do cliente, da reclamação. Quem tem medo tem empatia? Talvez esteja ocupado demais tentando apenas sobreviver. O resultado? Uma equipe que pede desculpas o tempo todo, mas que não resolve o problema do cliente.

O desafio para o gestor é, ao treinar padrão, treinar também inteligência emocional. É preciso dar à brigada a permissão para não perguntar "tá tudo bem?" se a leitura do ambiente indicar que o silêncio é a melhor oferta.

A hospitalidade brasileira é mundialmente famosa pela nossa cordialidade, mas é preciso profissionalizar essa simpatia. Precisamos limpar o ranço do "o cliente tem sempre razão" (uma mentira operacional?) e adotar a postura de que "o cliente precisa ser guiado".

Servir ou ser servil? Decida qual cultura você quer no seu salão. A primeira gera lucro e legado; a segunda pode gerar apenas pedidos. 

Este texto tem caráter opinativo. As ideias e conceitos expressos no artigo são de inteira responsabilidade do autor. 

tags

Assine gratuitamente nossa newsletter

E descubra os segredos dos melhores bares e restaurantes!

Ao enviar seus dados, você concorda com os Termos e Condições e Políticas de Privacidade do Portal B&R.

Relacionados