Recentemente, a página The Summer Hunter publicou uma provocação nas redes sociais: “A praga do restaurante bonitinho e ordinário. Não basta ter design incrível – e jardim vertical -, tem que servir comida boa e atender bem.” A reflexão evidenciou uma sensação já observada entre os consumidores e profissionais do setor: a ideia de que o sabor, em alguns casos, vem sendo deixado de lado quando o assunto é a experiência do cliente.
A crítica da publicação não ignora que é interessante que os empreendedores do setor pensem em um ambiente “projetado para surpreender”. No entanto, faz uma reflexão sobre até que ponto o design dos restaurantes se tornou mais relevante do que a comida, sabor e atendimento ofertado.
Entre as reações à publicação, muitos usuários expressaram suas frustrações com o cenário atual. “Ufa, eu e o marido estávamos achando que éramos nós os exigentes demais! É bem isso: lugar badalado, fila pra entrar, atendimento péssimo e a comida a gente faz melhor em casa!”, escreveu uma internauta.
Outro comentário criticou a supervalorização das redes sociais: “É uma pena como a comida está sendo deixada de lado para fazer post e engajar no Instagram. Essas páginas de dicas de comida, que são todas iguais, narração com aquela voz irritante, comida ruim e exagerada sendo colocada em um lugar de destaque que não existe… afff que preguiça”.
Houve ainda quem associasse o termo “instagramável” diretamente a experiências negativas: “Odeio quando falam que um lugar é instagramável, pois geralmente significa comida ruim por preços absurdos...”.
Foco na experiência do cliente
Ainda na publicação da página The Summer Hunter, a provocação gira em torno da longevidade de espaços de deixam o sabor e atendimento em segundo plano. De acordo com a publicação, “um restaurante que é só bonito ancora seu sucesso na novidade e no burburinho que gera. E isso não se sustenta.”
Para a jornalista, chef e influenciadora de gastronomia, Ana Sandim, a comida e o atendimento são o coração de qualquer restaurante e a chave para que os clientes voltem; o que influencia na sustentabilidade financeira do negócio. A cozinheira considera que a estética atraente pode ser convidativa, mas que o encantamento é consolidado em outros aspectos.
“Na primeira visita os clientes podem até ser motivados por uma indicação, uma estética atraente no Instagram ou uma matéria em revista, mas a fidelização acontece no prato. Quando a gente sente que houve cuidado, cria-se uma relação de confiança. Comida de verdade não mente, comer é uma experiência emocional”Ana Sandim
Ainda, Ana afirma que deixar a comida e os sabores em segundo plano pode desviar o foco do que realmente importa em bares e restaurantes.
“Quando o foco está apenas no visual, corre-se o risco de transformar o restaurante em um cenário e não em um espaço de conexão com a comida. O chef e a comida precisam liderar a narrativa, o ambiente deve reforçar essa identidade, e não competir com ela”
Impacto das redes sociais
Essa atenção prioritária em estética pode estar relacionada a dinâmica das publicações nas redes sociais. É o que afirma a jornalista de gastronomia, Celina Aquino. Para a jornalista, a lógica de consumo das redes sociais influencia na forma como a atenção do público é captada; o que por sua vez, impacta a maneira como empreendedores de bares e restaurantes lidam com a experiência do cliente em seus estabelecimentos.
“Com uma janela de poucos segundos para engajar o público, os restaurantes acabam priorizando imagens impactantes, que chamem a atenção instantaneamente. Isso cria uma pressão para que os espaços sejam extremamente 'instagramáveis', priorizando a estética em detrimento do conteúdo real. E aí mora o perigo”, afirma Celina.
Apesar de concordar que a parte visual em bares e restaurantes é importante, a jornalista reforça que a preocupação com a gastronomia e atendimento deve prevalecer para quem empreende no setor de bares e restaurantes.
“Existe um ditado que faz todo sentido: a gente come primeiro com os olhos. A estética tem, sim, um papel importante na gastronomia, mas ela não pode ocupar o lugar do essencial.”Celina Aquino
Apostar no básico bem-feito
Apesar do boom apontado pela publicação do The Summer Hunter sobre estabelecimentos “bonitos e ordinários”, o chef Igor Rocha afirma que o setor já observa que o somente a estética não vai proporcionar uma experiência satisfatória para os clientes.
“Vemos uma nova geração de chefs resgatando técnicas refinadas aplicadas a uma cozinha mais regional, com sabores autênticos e verdadeiros, tanto em bares quanto em restaurantes. É um movimento que já ganhou força e promete se consolidar como tendência duradoura no setor”, destaca Igor.
Para o chef, um prato capaz de fidelizar o cliente, é aquele que une técnica e sabor.
“É a combinação entre sabor e técnica que torna um prato realmente memorável. A apresentação, claro, conta, mas quando se trabalha com sabores autênticos e domínio técnico, é possível criar pratos que marcam e ficam na memória do cliente”, Igor Rocha.
Nesse caminho, para os empreendedores que desejam ir além de um ambiente agradável e conquistar o público de verdade, Ana Sandim aponta o caminho: investir no básico bem-feito.
“Consistência na entrega. Pra mim é essencial. Do atendimento à cozinha, tudo deve seguir a mesma lógica. Excelência no sabor. O básico bem-feito ainda é o que mais impressiona, faça o que você sabe fazer e faça com qualidade”, conclui Ana.