Comprovando que nenhuma experiência é individual, vi recentemente dois textos do jornalista Rafael Capanema, do site Núcleo, que queria eu ter escrito, já que a percepção é exatamente a mesma.
A primeira matéria fala sobre como o uso de inteligência artificial para descrever pratos no iFood está irritando clientes.
"Uma extraordinária junção da culinária brasileira com o sabor inigualável do mar. (...) Um prato leve, porém, recheado de personalidade e sabor, perfeito para quem aprecia a união do tradicional com um toque de sofisticação."
Esta é a descrição de uma tapioca de atum no iFood.
Como se essa hipérbole mal utilizada não bastasse, a moda agora é – pasme – usar fotos geradas por IA para ilustrar o cardápio numa espécie de estética do exagero.
São hambúrgueres com brilho de verniz, explosões de cheddar, massas que desafiam a gravidade e sobremesas irreais saídas talvez do cardápio do Siri Cascudo. Um exagero intencional de uma ideia para enfatizar o produto e dar uma expressividade impactante, poética e... Inexistente.
Em tempos digitais, a autenticidade está em falta
Não quero dar aqui um juízo de valor estético, até porque essa é uma percepção subjetiva. O problema talvez nem seja a tecnologia e sim a preguiça. Preguiça de cozinhar algo que se pareça com a promessa e tirar uma foto honesta, ainda que imperfeita. Em resumo: preguiça de ser autêntico.
Eu entendo. Em tempos digitais, parecer verdadeiro dá trabalho. E muita gente prefere parecer bonito (talvez nem tanto) — mesmo que seja só no filtro.
A IA virou uma espécie de desculpa para maquiar a realidade. Na ânsia da economia, o empresário pode até se defender dizendo: “o cardápio é apenas ilustrativo, então qualquer ilustração basta”.
O consumidor que se vire com sua decepção. Alguém devolve um prato de delivery porque ele é feio? Ou comem, reclamam no grupo do WhatsApp, dão uma estrela e nunca mais voltam? Nesse sentido, o estrago já foi feito: a confiança foi para o ralo.
O mais irônico é que, enquanto os restaurantes se esforçam para parecer o que não são, os clientes estão cada vez mais atentos ao que é real. A estética exagerada já não engana como outrora. Em tempos de pós-verdade, as pessoas aprenderam a desconfiar de fotos perfeitas. O que deveria encantar é o que parece de verdade.
A IA pode até ajudar — e ajuda, quando usada com inteligência. Dá para usar para prever demanda, ajustar cardápio, entender o gosto do cliente. Mas para fingir que o prato é melhor do que realmente é? Isso não é inovação, é maquiagem digital com gosto de propaganda enganosa.
No fim das contas, o que fideliza não é a imagem. É a experiência, a coerência entre o que se promete e o que se entrega. E isso, meu amigo, nenhuma IA vai conseguir gerar.
*Esse texto é de opinião do colunista e não reflete necessariamente as posições da B&R