No livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas, o autor Philip K. Dick preconiza um futuro em que o mais valioso será o mais autêntico. E não só isso: ele antecipa também nossa ansiedade em adivinhar o que é autêntico e o que é falso.
Ok, ficção científica e empreendedorismo em bares e restaurantes pouco têm a ver, mas eu posso explicar: em tempos de estabelecimentos que exploram a “indústria da nostalgia” e se vendem como empórios e bares antigos, é preciso falar sobre a subjetividade do que faz um estabelecimento ser considerado realmente autêntico ou apenas temático, para não dizer outra coisa.
Autenticidade raiz ou nutella?
Só vale ser autêntico quando o dono do bar fica no balcão e esposa dele na cozinha? O bar tem que necessariamente ser afastado do centro e romanticamente sujo? O ‘restauranteiro’ Vitor Velloso nos lembra que fetiche não indica qualidade; “pobre do dono do bar que não consegue ter um dia de folga e nem pode se aposentar”, diz.
Então, o que define a autenticidade de um bar? A resposta escapa de rótulos simplistas. Não estamos falando aqui de uma abordagem rasa, entre meramente um bar “raiz” ou outro “nutella”.
Num mercado por vezes homogêneo e pasteurizado, a busca pela autenticidade se torna um farol para o consumidor. Um boteco tradicional com décadas de história carrega consigo uma autenticidade inegável, construída sobre a memória afetiva de gerações. Afinal, como diz o jornalista Nenel Neto, do canal Baixa Gastronomia, “história não se compra, se constrói”.
Ao mesmo tempo, obviamente nenhum bar já nasce com 50 anos, com uma relevância automática para suas comunidades e um impacto significativo nos âmbitos social, cultural, gastronômico. É preciso antes fazer um ano, dois anos, três anos e assim florescer de forma estruturada para que o negócio seja minimamente lucrativo.
Todo consumidor quer um bar autêntico para chamar de seu. O problema é que às vezes a identidade não paga boleto e vender uma simples batata frita congelada ajuda o empreender a pagar as contas.
Outros aspectos também contam, mas o sabor prevalece
Arrisco cair em um inocente clichê, mas um novo empreendimento, com uma proposta inovadora e um design arrojado, também pode ser autêntico se sua identidade for construída sobre pilares sólidos de qualidade, conexão com a cultura local e uma narrativa transparente.
A autenticidade se manifesta na curadoria das bebidas, se revela nos petiscos que resgatam receitas ou reinterpretam ingredientes regionais com criatividade, transparece no atendimento que faz com que o cliente se sinta acolhido. Mas, crucialmente, emana da paixão e da visão dos proprietários, que imprimem sua personalidade no negócio. Gestão, como sabemos, é fundamental, mas e a identidade?
Mais que um bom controle do Custo de Mercadoria Vendidas ou uma decente ficha técnica, a autenticidade pode também ser diferencial competitivo capaz não só de fidelizar, mas conectar clientes à cultura de sua cidade, à paixão de um empreendedor ou simplesmente a um momento genuíno de prazer e convívio.
Em tempos de inteligência artificial, espaços físicos, como os bares e restaurantes, ganham ainda mais relevância. Eles se tornam refúgios de tangibilidade, lugares onde as interações humanas são reais e as experiências sensoriais são plenas.
Para os empreendedores, entender e cultivar essa autenticidade não é apenas uma estratégia de marketing, mas um caminho para construir negócios com propósito e significado, que resistam ao teste do tempo e da efemeridade das tendências. A busca pelo autêntico é uma busca inerente à nossa própria humanidade.