Durante décadas, o trabalho em cozinhas em bares e restaurantes foi associado a um ambiente hostil. Gritos e broncas públicas faziam parte de uma rotina vista como inevitável. Essa imagem clássica, herdada de modelos hierárquicos, ainda habita o imaginário de quem nunca pisou dentro de uma cozinha profissional. Mas um novo movimento de gestão de cozinhas vem se consolidando entre chefs, consultores e empreendedores: o de provar que acolher também é estratégia e que o respeito gera lucro.
“O problema é que, durante muito tempo, liderar chefs de cozinha foi confundido com exercer poder. Isso liberou egos e monstros internos em muita gente”, afirma o chef e consultor Cacá Gomes.
Para ele, a toxicidade não nasceu por acaso: “A gastronomia nasceu dentro de estruturas muito hierarquizadas, para não dizer militarizadas, herança da escola francesa de Escoffier. Durante décadas, liderar foi confundido com autoritarismo”, afirma o especialista.
Quando a gestão de cozinha adoece
Podem existir sinais claros que antecedem o caos do trabalho nas cozinhas de bares e restaurantes e nem sempre eles são gritados. Para o consultor Cacá Gomes, na maioria das vezes, o primeiro sintoma que a situação não vai bem no ambiente de trabalho é o silêncio entre a equipe.
“O primeiro sinal é o silêncio. Quando a equipe para de falar, de sugerir e começa apenas a obedecer, a operação já adoeceu. Depois vêm a rotatividade, os atrasos, o absenteísmo. E o clássico: ninguém olha nos olhos, ou começa a dizer ‘foram os caras’ quando algo dá errado. Isso mostra que não há mais confiança”, explica Cacá Gomes
Segundo ele, muitos empresários acreditam que esses comportamentos são problemas individuais. Na verdade, são reflexos diretos de má gestão. “Clima ruim é sempre reflexo da falta de clareza e da ausência de escuta”, afirma o consultor.
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Cuidar da equipe gera lucro
Em consultoria, Cacá tem trabalhado com indicadores que relacionam o lucro com a felicidade do colaborador. A premissa pode soar poética, mas a intenção é objetiva: mostrar que toda cultura tóxica se transforma, cedo ou tarde, em prejuízo.
“Processos de contratação precários, falta de retenção e desenvolvimento, tudo isso gera alta rotatividade, absenteísmo, desperdício, queda no padrão. É uma bola de neve de custos descontrolados, faturamento em queda... e tudo começa na má gestão de pessoas”, afirma.
Cultura boa não é romantismo. É estratégiaCacá Gomes
Segundo o consultor, uma equipe que trabalha sob medo apenas executa, já uma equipe que trabalha sob confiança entrega, resolve e antecipa problemas. É essa diferença que separa uma operação que “sobrevive” de uma operação que escala com consistência. Nesse caso, o cuidado não é custo, ele se torna um investimento com retorno palpável.
Ferramentas contra a toxicidade nas cozinhas
Segundo Cacá Gomes, combater a cultura tóxica não se faz com discursos motivacionais ou frases na parede. Nesse caso, é preciso método, clareza e disciplina. “O erro de muitos restaurantes é acreditar que cultura se constrói com frases inspiradoras em murais. Cultura se constrói com regras claras, exemplos diários e consequências bem definidas”, afirma.
Ele propõe um caminho em etapas, um protocolo de ambiente saudável:
- Estabelecer um Manual de Conduta: antes de incentivar o que é positivo, é fundamental deixar claro o que não será tolerado. Humilhações, agressões verbais, gestos abusivos, ironias públicas. Esse Manual não deve ser decorativo, mas apresentado em reunião, discutido e validado por todos;
- Criar canais de escutas reais: não basta dizer “a porta está aberta”. Segundo Cacá, a escuta precisa ser estruturada; conversas individuais periódicas, reuniões de acompanhamento e espaços seguros para denúncias;
- Treinar lideranças: muitos chefs, por falta de preparo, confundem liderança com reação emocional. Treinar os colaboradores para resolver conflitos e não incendiar mais o ambiente é essencial para quebrar ciclos tóxicos;
- Distinguir erro de desvio de conduta: um dos pontos mais críticos é entender que erro técnico, um ponto incorreto, um atraso, se resolve com treinamento. Já o desvio de conduta, agressão, humilhação, assédio, exige atitude firme e imediata.
Para Cacá, o combate à toxicidade não é sobre “abrandar” a cozinha, mas sobre preservar a dignidade para preservar o negócio. E isso só é possível quando a cultura deixa de ser discurso e passa a ser prática.
A nova geração de cozinhas profissionais pode estar diante de uma escolha: continuar reproduzindo o modelo do medo, ou construir equipes que ficam, crescem e entregam o melhor de si. Mudanças como pausas adequadas, staff meal nutritivo, reconhecimento público e transparência sobre metas já começam a redefinir o cenário do setor.