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Food hall: modelo transforma a gastronomia em experiência

O food hall é um modelo dinâmico, que possibilidade de donos de bares e restaurantes possam impulsionar seus negócios. | Foto: Fernanda Coutinho

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Muito além da comida: mergulhe na engenharia dos food halls no Brasil. Descubra os segredos da curadoria, do modelo financeiro e da gestão que tornam essa opção um verdadeiro sucesso que chega ao país

Brener Mouroli 13/10/2025 | 15:21

O anúncio de que o shopping West Plaza, em São Paulo–SP, receberá uma unidade do Mané Mercado, fruto de um investimento de R$ 20 milhões e com inauguração prevista para novembro de 2025, não é apenas um anúncio imobiliário. É a confirmação de uma mudança na forma como vivemos e experienciamos a gastronomia. Este movimento, que segue o sucesso do modelo de Brasília–DF, prova que os Food Halls no Brasil seguem ganhando espaço e tem se tornado um pilar estratégico na cultura urbana do país

Apesar de não ser um modelo de negócio recente, os espaços gastronômicos deste tipo têm se tornado mais conhecidos. Assim, se transformado em uma aposta lucrativa para empresários do setor de alimentação fora do lar. 

Mas, o que faz deste formato um investimento tão robusto? Por trás da atmosfera convidativa, da variedade restaurantes e bares, de pratos e da arquitetura moderna, existe uma complexa e sofisticada engenharia de negócios.  

Para desvendá-la, mergulhamos nos insights de quem está na linha de frente: Saulo Sarmento, diretor-executivo e cofundador do Mané Mercado; Gil Guimarães, o renomado chef por trás da curadoria gastronômica do projeto; e Raphael Dabdab, empresário e membro do conselho da Abrasel. 

A promessa da experiência 

O que é um food hall? Este é um questionamento comum e que esbarra em outro conceito, o de praça de alimentação, porém a primeira e mais fundamental distinção é o foco. Dabdab é taxativo ao definir que a praça de alimentação se diferencia pelos produtos que são oferecidos e pela dinâmica que acontece no espaço. Visto que o food hall está em um contexto mais voltado para a experiência gastronômica e não ao consumo rápido como as praças de alimentação. 

Sarmento crava a definição, pontuando que "O Mané é um mercado de experiências, não uma praça de alimentação", corroborando com a análise realizada por Dabdab.  

A promessa de ser uma experiência gastronômica diferente começa na entrada. Fugindo do layout funcional de um corredor de shopping, a arquitetura do espaço gastronômico é pensada para ser um convite. Com ambientes amplos, conforto acústico e iluminação natural que tem o desejo de criar uma atmosfera acolhedora aos clientes. 

A primeira unidade do Mané Mercado é localizada ao lado do estádio Mané Garrincha em Brasília –DF.| Foto: Fernanda Coutinho  

Sarmento detalha que alguns pilares são importantes para o Mané Mercado e a sua promessa de experiência. Isto é, além de uma construção arquitetônica que foca no conforto do cliente, há outros pontos trazidos pelo projeto. 

Essa sensação de conforto recebe impulso pela tecnologia. O diretor executivo conta que a inovação do serviço em mesa com comanda integrada remove o principal atrito das antigas praças de alimentação: as filas.

O cliente pode sentar-se, pedir pratos de diferentes restaurantes através de um cardápio online e pagar tudo de uma vez, no final. Ele avalia que isso torna a experiência é fluida, permitindo que a única preocupação seja a difícil escolha entre tantas opções de qualidade. 

Além da experiência culinária 

Outro ponto que torna o food hall um destino frequente são os demais acontecimentos do espaço que ultrapassam a experiência culinária. A programação é o que transforma o espaço de um lugar para comer em um lugar para estar.  

Não se trata apenas de uma música ambiente; mas uma ambientação que cria motivos para o público retornar constantemente, mesmo em dias de menor movimento. 

Além disso, outro ponto forte são os pilares de ASG, pensados com acessibilidade ativa (cardápios em braille, atendimento em Libras), gestão de resíduos, e a imagem fica clara: cada detalhe é pensado para construir uma experiência memorável e conectada aos valores atuais 

A gestão de resíduos, por exemplo, vai além da coleta seletiva, envolvendo parcerias para compostagem de orgânicos e metas agressivas para eliminar plásticos de uso único, demonstrando um compromisso que o consumidor moderno valoriza e busca. Práticas estas que são seguidas pelo modelo adotado pelo Mané Mercado, como conta Sarmento. 

A alma do negócio: a curadoria 

Mas o que dá alma a essa estrutura bem azeitada é a comida. E essa alma tem um guardião: o curador gastronômico. No Mané Mercado, esse papel é de Gil Guimarães, chef das aclamadas Baco Pizzaria e Casa Baco. Como curador, sua missão é montar um quebra-cabeça de sabores que seja ao mesmo tempo diverso e harmonioso, evitando a "canibalização" entre os restaurantes e que ofereça experiências gastronômicas diferenciadas. 

Além de oferecer um ambiente atrativo, os food halls se destacam pela diversidade gastronômica.  | Foto: Fernanda Coutinho 

A lógica anti-canibalização é fundamental para a psicologia do consumidor, destaca o diretor executivo do Mané Mercado. Em um espaço com cinco hamburguerias de alta qualidade, o cliente enfrenta a "paralisia da escolha", e o valor percebido de cada uma diminui.  

Em contraste, um food hall com uma excelente hamburgueria, uma autêntica pizzaria napolitana, um balcão de poke fresco e uma operação de comida árabe transforma a decisão de "o que comer" de um problema em uma jornada de descoberta. 

O processo de seleção é artesanal e estratégico. "Levamos muito em consideração a cultura da cidade", afirma Guimarães, que busca "chefs e estrelas locais" para compor o elenco. A prospecção envolve uma imersão na cena local, acompanhando blogs de gastronomia, tendências em redes sociais e, claro, muitas visitas a restaurantes promissores.  

Levamos muito em consideração a cultura da cidadeGil Guimarães

O objetivo não é apenas unir grandes nomes, mas encontrar operadores que tenham uma conexão real com a filosofia do projeto. Para ele, o resultado deste processo é um cardápio vivo, que representa a identidade gastronômica local com um alto padrão de excelência. 

Desafios de um ecossistema 

O processo de curadoria não perpassa somente os sabores, mas também deve ser pensado estrategicamente para a composição não ser inadequada. Por isso, gerir um food hall é gerenciar um ecossistema vivo, com seus próprios desafios.  

O mais crítico, segundo Sarmento, é manter o "equilíbrio de marca guarda-chuva versus a identidade dos restaurantes". Como comenta, a solução é uma arquitetura de marca onde o "Mané comunica a experiência e o calendário e cada operação comunica seu autoral dentro de um brand book comum". 

Essa visão se soma ao alerta de Dabdab sobre a necessidade da "equação saudável": o equilíbrio entre o número de operações e a capacidade de público. Um excesso de restaurantes pode levar à canibalização das vendas, comprometendo a saúde financeira de todo o ecossistema.  

Outro ponto é o desafio de manter as operações com bom desempenho. Quando um operador apresenta performance abaixo do esperado, a abordagem é de suporte, ensina o diretor executivo: "Primeiro vem o apoio (treino, marketing tático), só depois medidas corretivas" 

Na prática, esse "apoio tático" pode significar criar uma campanha de happy hour para um bar com baixo movimento às quartas-feiras, ou destacar um prato específico no Instagram do espaço para ajudar a girar um insumo, transformando um potencial prejuízo em oportunidade. 

A orquestra da operação diária 

Garantir que diferentes chefs e equipes independentes operem como uma unidade coesa é como reger uma orquestra. Isto é, cada músico tem seu talento, mas todos precisam seguir a mesma partitura. Sarmento revela que essa harmonia é conquistada com uma gestão centralizada e atenta. 

Seguindo o nosso comparativo, os padrões operacionais unificados (SOPs) funcionam como a partitura, ditando desde os tempos de preparo até a apresentação dos pratos. A tecnologia integrada, com dashboards em tempo real, é o ouvido do maestro. Painéis de dados visíveis na retaguarda mostram métricas vitais, o que auxilia na gestão de filas, rotatividade de clientes e mostra as oportunidade e gargalos na operação. 

O motor financeiro do food hall 

Por trás da experiência e da curadoria, existe um modelo financeiro que explica por que o formato é tão atraente tanto para o empreendedor do food hall quanto para o chef de restaurante. Esta relação trata-se de algo simbiótico, no qual o risco é mitigado e as eficiências são compartilhadas. 

Para o restaurante, a proposta de valor é clara. O investimento inicial se volta à montagem de sua própria cozinha, um custo muito inferior ao de construir um restaurante completo, com salão, banheiros e fachada. Esse formato democratiza o acesso ao mercado para chefs talentosos que não dispõem de capital para um empreendimento tradicional. 

Além disso, custos mensais são um híbrido inteligente. Existem as taxas fixas de ocupação, como um aluguel mínimo e o condomínio, que garantem a previsibilidade, algo essencial para a manutenção e funcionamento do espaço. Entretando, como o explicado pelos entrevistados, boa parte dos custos são variáveis, atrelados a um percentual sobre o faturamento. Isso significa que, em meses de movimento menor, o custo reduz, protegendo o fluxo de caixa do operador. 

O grande poder do modelo, no entanto, está na divisão operacional. Como explica Dabdab, "a vantagem é que você tem a economia compartilhada". Custos pesados como marketing institucional, segurança, limpeza e o desenvolvimento de tecnologia (PDVs e sistema de comanda) são divididos entre todos, gerando uma eficiência em toda a cadeia de atendimento 

A vantagem é que você tem a economia compartilhadaRaphael Dabdab

Diferente do modelo de franquia, onde o operador segue um manual de marca rígido e paga royalties sobre um produto padronizado, o operador do food hall mantém sua autonomia criativa. O food hall oferece a estrutura e o público em contrapartida, o chef entrega experiências gastronômicas autênticas. 

Conquistando espaço e se ajustando aos novos públicos, os food halls oferecem diversidade, conforto e autenticidade. | Foto: Fernanda Coutinho 

Os food halls no Brasil 

A consolidação de projetos robustos sinaliza que o mercado de food halls no Brasil entrou em uma nova fase: a da expansão Populares na Europa e nos Estados Unidos, esse modelo de negócio sinaliza que está apontando para a maturação. O futuro não será definido apenas pela inauguração de novos espaços, mas pela evolução do modelo de negócio.  

Com o comportamento dos consumidores mudando em ritmo acelerado, os formatos que oferecem comodidade, experiências gastronômicas únicas e que fogem do básico combo de comida e bebida desponta como opção de lazer. 

A próxima onda de empreendimentos já nasce aplicando os aprendizados dos pioneiros, focada em duas grandes oportunidades: a hiper-localização e especialização 

A tendência aponta para espaços temáticos, como o pontuado por Raphael Dabdab, com curadorias ainda mais afiadas, tais como a realizada pelo chef Gil Guimarães e para uma integração profunda com a malha urbana, onde os food halls se tornam âncoras de revitalização e parte vital do cotidiano das cidades, como observa Saulo Sarmento. 

Contudo, essa evolução traz desafios significativos. O principal é a necessidade de uma gestão cada vez mais profissionalizada, baseada em dados, tecnologia e uma governança robusta para orquestrar dezenas de operadores independentes.  

Os food halls refletem uma mudança cultural mais ampla, a busca por espaços que integram alimentação, lazer e comunidade. O futuro pertencerá aos projetos que entenderem que não estão apenas no negócio da comida, mas no de criar experiências. 

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