Há uma cena do encantador filme de Wim Wenders, Dias Perfeitos, onde o protagonista, Hirayama, está pedalando sobre uma ponte em Tóquio com sua sobrinha. Enquanto os dois andam de um lado para o outro, atravessando a ponte ao pôr do sol, eles dizem um para o outro: “a próxima vez é a próxima, e agora é agora”. Num filme que diz muito pouco explicitamente, esta parece ser uma declaração de missão bastante clara: contemplar a vida em suas pequenas belezas vale a pena.
Talvez não por coincidência, vem também do Japão uma tendência com o mesmo espírito do filme que está ganhando cada vez mais força em cidades brasileiras: os listening bars, ou bares de audição, em tradução literal.
Trata-se de um ambiente acolhedor onde a prioridade é ouvir, sem distrações, músicas que podem ser saboreadas com as acústicas apropriadas. A ideia é simples, mas poderosa e vem ganhando espaço em grandes cidades brasileiras, seguindo uma tendência de grandes metrópoles como Nova York, Londres, Berlim e São Paulo.
Com espaço aconchegante, luz baixa e músicas cuidadosamente selecionadas para agradar o público-alvo e reproduzidas em sistemas de som de alta fidelidade, o objetivo é claro: falar menos e ouvir mais.
“No Japão, há uma tradição incrível de bares de escuta, onde eles têm uma abordagem profunda, bonita e reverente para ouvir música”, diz o inglês Paul Noble, proprietário do café Spiritland, em Londres, ao jornal The Guardian.
Paul Noble completa que não é necessário ser obcecado por tecnologia para reconhecer que a experiência de ouvir música digitalmente por fones de ouvido não é a melhor maneira de apreciá-la. O bar surge com o princípio de conscientizar as pessoas sobre o ambiente em que se ouve música e proporcionar a melhor experiência auditiva, independente de onde estejam sentados.
Origem, declínio e volta ao apogeu
Também conhecidos como hi-fi bars, os bares de escuta surgiram no Japão na década de 1950. Inspirados pelos kissaten, pequenas cafeterias japonesas, esses bares foram criados com um objetivo claro: proporcionar uma experiência auditiva imersiva e de alta qualidade.
As primeiras kissas (como são chamados pelos japoneses) eram cafés de audição com sistemas estéreos de última geração administrados por colecionadores de jazz, onde os discos eram tocados em silêncio, do começo ao fim. Eles cresceram em número ao longo das décadas, atingindo o pico em meados dos anos 70, antes de saírem de moda. Mas agora o conceito se tornou global, com consumidores buscando lugares onde possam se desconectar das distrações e se reconectar com a música.
Na Europa, o número de casas noturnas no Reino Unido caiu quase um terço desde 2010, um declínio mais acentuado do que bares e pubs. A tendência agora, dizem os especialistas, é investir em experiências de qualidade.
“Sem entrar muito na psicologia pop, acho que as pessoas, no pós-pandemia, meio que precisam ter um motivo maior para sair de casa, então você tem que oferecer algo que elas não têm em casa”, diz Rosie Robertson, do bar JAZU, no sul de Londres, em entrevista à revista DJ Mag.
De dia café, à noite listening bar
Para ser financeiramente viável, alguns locais funcionam como restaurantes, outros fazem a transição para espaços de dança quando a música é aumentada mais tarde no dia. O que os une é um sistema de alto-falantes sério e uma abordagem reverente à experiência auditiva que ele proporciona. Importante ressaltar aqui, mesmo de maneira generalizada, a natureza mais sociável do brasileiro, o que faz que a experiência seja tanto individual quanto coletiva.
Um exemplo é o Áriz, no Leblon, que abraça o formato às quintas, sextas e aos sábados, com sets de DJs que passeiam por diferentes estilos musicais. A sócia Jessika Santos diz que a proposta visa a oferecer ao público um lugar para ouvir boa música sem distrações.
“O público quer algo além dos bares tradicionais, um espaço onde ouvir é a regra principal, com acústica apropriada para que a música seja bem apreciada”, disse Jessika em entrevista ao O Globo.
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Desafios para um som envolvente em um ambiente relaxado
Os cofundadores do JAZU decidiram abrir seu próprio espaço após descobrirem sound bars no México, como o Café de Nadie de Chihuahua. “Eles tinham uma sensação muito legal e relaxada, o mesmo pensamento que eles tinham colocado na configuração musical tinha sido colocado nas bebidas e na atmosfera”, lembra Robertson.
É esse inclusive um dos desafios na gestão de um listening bar: ambientes com boa sonorização tendem a ser mais agradáveis, fazendo com que os clientes queiram passar mais tempo no local. Quanto mais tempo eles passam, menor é o ‘giro de mesa”, e maior é a probabilidade de consumirem mais, já que a música pode influenciar positivamente o comportamento dos consumidores, tornando-os mais propensos a consumir mais.
A questão que fica é: ouvir mais o comportamento do consumidor e adequar o seu negócio a novos momentos estudando tendências que podem ou não ser passageiras. Senão dança.