Os bares e botequins movimentam uma parcela significativa da economia brasileira, mas também enfrenta grandes desafios: concorrência acirrada, mudanças no perfil dos consumidores e a necessidade de se adaptar sem perder a sua essência.
É nesse amplo cenário de transformações que se insere o trabalho de Eduardo Freitas, ou Preá, como é conhecido nas redes sociais. Carioca de Volta Redonda, o pesquisador e sociólogo construiu uma comunidade online por meio do registro fotográfico de bares que frequenta ou já visitou.
Cada identidade que é cunhada ao longo da história e da memória, de longe, é o maior capital"
Além da fotografia, Preá escreve sobre o cotidiano desses espaços sob uma perspectiva mais ampla, construindo debates sobre esse universo com a sua experiência da pesquisa, mas, principalmente, a de “usuário de botequim”, como se autonomeia.
Depois de se sentar no balcão e fotografar inúmeros botequins, Preá aponta caminhos e estratégias para empreendedores aplicarem no seu negócio, manter a tradição viva e faturar com o negócio.
Os desafios do novo consumidor
Para quem empreende com bares e botequins, um dos principais desafios para manter as portas abertas tem sido acompanhar as mudanças nos hábitos de consumo.
“Durante muito tempo, o botequim foi um território compulsório de consumo. Todo mundo tinha que passar lá para comprar a caixa de fósforo, a cachaça, o detergente, a banha de porco, o leite, a cerveja. Ele concentrava um tipo de comércio e o nosso modo de consumir mudou muito”, relembra Preá.
Diferente da época de muitos pais e avós, as novas gerações já não se relacionam com a bebida alcoólica como antes e tem hábitos que se aproximam de uma vida mais equilibrada, que incluem beber menos álcool, dormir mais cedo, praticar atividades físicas. Isso tudo entra na conta nas escolhas do novo consumidor, impactando diretamente quem empreende no setor de bares.
"Você ir a um botequim hoje tem que ser uma escolha voluntária, racional e quase política. A cerveja do Zé delivery é mais barata e chega mais rápido na sua casa. Ainda tem a perspectiva da violência urbana. Então, junta-se um monte de coisa”, destaca Preá.
Para sobreviver em um cenário tão afetado pelos novos hábitos de consumo, é preciso se aproveitar daquilo que os botequins têm de sobra e o que o mercado tanto se esforça para replicar, mas não consegue com tanta facilidade. Nesse contexto, Preá aposta que o caminho é único: a identidade do botequim é o grande capital.
“Cada botequim é único. Não existe franquia de botequim. Não existe escala de reprodução porque aquilo ali é algo único com a sua subjetividade: o jeito do dono, do cliente, a música que toca e até o conjunto de regras do lugar”, destacou.
Entre inúmeros produtos que o botequim comercializa e estão dispostos em prateleiras e estufas, a história e o pertencimento ainda são elementos impossíveis de serem comprados. Nas palavras de Preá:
“Se amanhã abrir outro bar no lugar do Bar do Salomão (Belo Horizonte), ou seja, com o mesmo território, vendendo as mesmas coisas, ele não é o mesmo bar. Tem a ver com pertencimento”.
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Fidelização de clientes com o básico
As mudanças nos hábitos de consumo são uma faca de dois gumes, ao mesmo tempo que desafia os empreendedores, elas podem oferecer oportunidades.
Como exemplo, Preá identifica que o que antes era visto como "comidas simples" ganhou mais espaço no paladar das novas gerações de diferentes classes sociais. Em linhas diretas, “esse apelo popular está mais na moda do que antes”, argumenta."Hoje, você sair para comer moela com polenta é mais aceitável do que há 20 anos atrás. Aí é uma possibilidade de ganho desses empreendedores ao entender que aquilo que era considerado comida de peão agora passou a ser também comida de playboy”, destaca.
Além da identidade, história e pertencimento como grandes fatores de lucratividade, Preá ainda destaca que a sobrevivência dos botequins passa também por uma perspectiva de gestão dos próprios proprietários.
Ao invés de tentar se reinventar completamente para acompanhar tendências de mercado, a solução está em valorizar o que já existe."A primeira coisa que a gente tem que reforçar é falar para o dono do botequim: o que você construiu até hoje é moderno e é o seu capital. Não destrua isso. Fale para o seu sobrinho ou seu filho que vai pegar o bar, seus primos que vão ser sócios, manterem o patrimônio".
Um segredo, segundo o pesquisador, é identificar os diferenciais únicos de cada estabelecimento, desde elementos estéticos do bar até a forma de atendimento, que costuma se destacar pela fidelização dos clientes.
“O cara tem que olhar pra dentro do próprio comércio e tentar identificar o que ele tem de diferente. Você acha que esse azulejo aqui é diferente? Acho. Eu acho que o respeito ao seu cliente antigo também é diferente”, declara.
Preá conclui que essa preservação consciente da identidade, memória coletiva e fidelização são as principais ferramentas competitivas dos botequins diante das transformações do mercado.
“Esse pacto de preservação de uma memória coletiva de elementos é a chave de uma identidade e acho que isso é o que consegue preservar esse tipo de comércio frente a essa modificação de consumo. Porque essa apropriação de uma memória coletiva, seja do bairro, seja da rua, seja da cidade, ela é um capital que volta para o botequim”, conclui.
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