A hegemonia do iFood no delivery brasileiro está sob o ataque mais robusto já visto desde a consolidação do mercado pós-pandemia. A Keeta, braço global da gigante chinesa Meituan, que processa em média 80 milhões de transações diárias na China, inicia oficialmente sua operação na cidade de São Paulo e em oito municípios da região metropolitana no dia 1º de dezembro.
Não se trata de uma entrada tímida. Apoiada por um aporte de R$ 1 bilhão especificamente para esta fase de lançamento, parte de um compromisso total de R$ 5,6 bilhões no país ao longo de cinco anos, a plataforma aposta em uma estratégia agressiva de descontos e em uma promessa técnica clara: previsibilidade.
Para o empresário de alimentação fora do lar (food service), a entrada da Keeta (pronuncia-se "Qita", inspirada na agilidade do guepardo) traz duas leituras imediatas: a oportunidade de reduzir a dependência de um único player e o desafio operacional de lidar com um súbito pico de demanda.
Algumas inovações da Keeta para o Brasil:
Horário garantido: compensação para usuários em caso de atrasos com cupons de até R$ 50;
Ferramentas para Restaurantes:
- Atendimento humano em todas as etapas;
- Recebíveis com antecipação de 7 dias sem custo;
- Insights sobre comportamento da base de clientes;
- Compra intermediada
Segurança para Entregadores:
- Capacete inteligente: sistema de áudio e navegação via bluetooth e suporte da central de segurança;
- Centro de suporte ao entregador.
O mercado brasileiro é considerado por executivos da Meituan o maior fora da China. Antes de chegar à capital paulista, a plataforma rodou um piloto na baixada santista a partir de 30 de outubro, servindo como um laboratório de estresse operacional. Os números iniciais impressionam: crescimento de 60% na base de restaurantes e 135% na de entregadores em menos de um mês.
Mas o dado mais interessante para o gestor vem do "chão da cozinha". Felipe Prieto, sócio da hamburgueria Seven Kings, relatou o impacto imediato da ativação da plataforma: "Foi uma doideira positiva. A gente começou a fazer seis vezes mais pedidos por dia".
O volume foi tão abrupto que expôs gargalos físicos na operação. "Precisei fazer uma obra de urgência na minha cozinha. Na hora que fechou no domingo, comecei uma obra que terminou na segunda-feira à noite [...] para na terça ter mais gente trabalhando", detalha Prieto.
O caso ilustra um ponto crucial: a guerra de subsídios (o consumidor recebe pacotes de até R$ 200 em cupons) traz volume, mas exige que o back-of-house esteja preparado para não colapsar.
90% de entregas rastreáveis
A principal dor do delivery atual não é apenas a taxa, mas a inconsistência logística. Danilo Mansano, VP da Keeta no Brasil, enfatiza que a tecnologia da empresa foca no rastreamento total, cobrindo mais de 90% das entregas, e na pontualidade.
Temos a promessa de entrega no tempo prometidoDanilo Mansano"Temos a promessa de entrega no tempo prometido; se isso não acontece, há uma compensação com cupom", explica Mansano. Essa política de "horário garantido" tenta resolver a fricção entre o tempo de produção da cozinha e a chegada do motoboy, uma sincronia que, quando falha, destrói a experiência do cliente.
Em Santos, o tempo médio de entrega estabilizou em 30 minutos, com entregadores rodando com uma média de ganhos de R$30 por hora. Para o restaurante, a promessa é de uma operação com menos atrito e maior retenção de motoristas, atraídos por uma remuneração competitiva.
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O fim da exclusividade?
A Abrasel vê a entrada da gigante chinesa como um divisor de águas necessário. Luiz Hirata, presidente da Abrasel em SP, relembra que o delivery foi a tábua de salvação na pandemia, mas que o mercado ainda é "muito pequeno" frente ao seu potencial.
"A chegada de mais um player - e não é 'mais um', é o líder mundial - gera mais competição", avalia Hirata. Para o setor, isso significa poder de barganha. A Keeta entra no mercado questionando judicialmente as cláusulas de exclusividade da concorrência e praticando taxas declaradamente menores (entre 2% e 3% abaixo da média de mercado), forçando um reajuste natural nas negociações comerciais vigentes.
Crescimento
Tony Qiu, presidente das operações internacionais, reforça que a missão da empresa vai além da entrega de comida. Na China, a Meituan opera desde entrega de supermercados até reserva de hotéis. Embora o foco inicial no Brasil seja o food delivery, a tecnologia de "compra intermediada" (onde o aplicativo permite pedidos em lojas não parceiras via concierges) e os estudos para uso de drones sinalizam que a empresa não veio para ser coadjuvante.
Com 27 mil restaurantes já cadastrados na grande São Paulo e uma frota de quase 100 mil entregadores, a Keeta coloca R$1 bilhão na mesa para provar que há espaço para mais de um gigante no Brasil.
A Keeta tem como objetivo estratégico elevar o Brasil da 5ª para a 4ª posição entre os maiores mercado de delivery do Mundo, superando o Reino Unido. Uma das projeções da gigante chinesa é também dobrar a base de usuários de delivery no mercado brasileiro em cinco anos, alcançando 120 milhões de consumidores.
Para o dono de restaurante, a ordem do dia é clara: aproveite o subsídio, renegocie suas taxas, mas, acima de tudo, prepare sua cozinha. A demanda vai chegar.
