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Especialistas analisam o impacto dos domicílios eletrônicos na gestão de negócios AFL

Para os especialistas, o DTE, DJE e DET são reflexos do processo de digitalização inerente ao contexto atual e é preciso se adequar a ele.

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Os domicílios eletrônicos são os canais oficiais de comunicação entre alguns órgãos do governo e seu acompanhamento deve ser feito com rigor pelos donos de negócios de alimentação fora do lar

Brener Mouroli 05/11/2025 | 13:29

A tecnologia, por vezes, é uma aliada à gestão de negócios em geral. Não diferente disso, o mercado de alimentação fora do lar (food service) brasileiro é um dos que sofre os impactos positivos e negativos da digitalização dos processos, como a gestão de comandas, o atendimento ao público, a contratação de funcionários e outros. Agora, o impacto também é sentido nos canais de comunicação entre o governo e os donos de bares e restaurantes.

Com a criação dos domicílios eletrônicos, o que antes chegava por correspondência física agora se concentra em canais online. Essas mudanças têm nome: Domicílio Eletrônico Trabalhista (DET), Domicílio Tributário Eletrônico (DTE) e Domicílio Judicial Eletrônico (DJE).

Essas plataformas são, em essência, as novas "caixas de correio" oficiais. E mesmo que a proposta de centralizar e agilizar a comunicação seja interessante, o sistema pode acabar gerando impactos negativos na gestão de bares e restaurantes de pequeno e médio porte.

Essa transformação digital transfere uma responsabilidade de monitoramento que pode ser fatal para estabelecimentos menores, já sobrecarregados pela operação diária e sem estrutura administrativa completa para acompanhar múltiplas plataformas.

O custo de um "não visto"

O que parecia uma preocupação teórica já se tornou um prejuízo real. Maurício Piragibe, advogado da PSS Advogados, relata um caso recente. "O cliente foi multado porque não tinha acessado. Ele recebeu, mas não abriu", conta.  

O problema, segundo ele, é a origem da obrigação. Muitas empresas de pequeno porte tiveram seu cadastro criado automaticamente, sem nem tomarem conhecimento. "Eles estão atribuindo grande responsabilidade de controle para um restaurante de pequeno porte, que quase não tem nenhum suporte de contabilidade e muito menos um RH", critica Piragibe.

O risco é existencial. "Se origina um processo trabalhista, o empresário não abre a intimação, passa um tempo, o processo corre à revelia. Daí, dependendo da demanda, coloca em risco o próprio negócio", pontua o advogado sobre a complexidade por trás da necessidade de controle.

Revelia:

A revelia é o instituto do Código de Processo Civil que nomeia a situação que ocorre quando há a ausência da contestação por parte do réu de um processo movido em desfavor dele e devido a esta falta acarretará alguns efeitos.

Fonte: JusBrasil

 

Thais Montanarin, da controladoria da PSS Advogados, conta que o acompanhamento dos domicílios eletrônicos é de suma importância e detalha a rotina que seguem no escritório.

“Entro três vezes por semana, mas eles notificam por e-mail. Tanto o DET, quanto o DJE, eles mandam e-mail certinho. Só é preciso estar com o cadastro correto. Tanto que, das empresas que aceitaram o nosso serviço, nós já recebemos os e-mails, nós estamos tendo o controle”, explica Montanarin.

Responsabilidade nas mãos do dono

O ponto principal da mudança é: quem deve vigiar essas caixas de entrada? A resposta é algo que fica sobreposto no ar. Valter César, contador da Indicon Contabilidade, é claro: o contador pode assumir a rotina de checagem do DTE (fiscal) e do DET (trabalhista), mas não do DJE (judicial). "O DJE o contador não pode se responsabilizar. Pois este implica em prazos que o contador não tem essa responsabilidade e o contador nem pode exercer atos de advocacia", frisa.

O DJE o contador não pode se responsabilizarValter César

Piragibe reforça a visão, comparando a situação ao antigo correio. "O jurídico não é responsável por isso. A contabilidade também fala que não é obrigação dela, porque é uma situação de correio direto da empresa", explica. "É o correio da sua casa. O controle é do dono, ou do RH."

O jurídico não é responsável por isso.Maurício PiragibeO problema é que, no setor de bares e restaurantes, essas figuras muitas vezes não existem. "Como muitos restaurantes não têm jurídico formado, eles têm que se basear no contador", diz Piragibe. O resultado é que a responsabilidade recaiu sobre o empresário, que, como nota o advogado, "o empresário desconhece o que é DJE e o DET", o que dificulta a vida dos proprietários.

As penalidades em cada "caixa"

Ignorar os domicílios eletrônicos não é uma opção. As regras são de "ciência tácita": se a empresa não abrir a notificação em um prazo curto, o sistema a considera automaticamente "intimada".

Ciência tácita

Ciência tácita é o momento que o sistema DET considera que o Empregador teve ciência de uma mensagem por decurso de prazo. A ciência tácita ocorre automaticamente, no primeiro dia útil após o período de 15 (quinze) dias corridos, contados da data de publicação da comunicação na caixa postal do DET , quando não houver sido realizada a consulta de seu teor.

Fonte: Perguntas frequentes - DET

 

As consequências, detalhadas por Piragibe, são severas. No DET (Trabalhista), um auditor fiscal pode pedir documentos. "Se ele [o auditor] constatar alguma irregularidade, vai mandar uma autuação. Nessa autuação, você tem um prazo para apresentar a defesa. Não apresentou a defesa, vira o auto de infração definitivo." Isso implica perder o desconto de 50% para pagamento e, se não pago, o débito vai para a Dívida Ativa. "Aí você perde o Simples Nacional. Vira um caos na vida do empresário", resume.

No DJE (Judicial), a consequência é a revelia. "Ser revel, todos os pedidos do processo serão considerados verdadeiros, o que traz um grande prejuízo no decorrer da ação", alerta o advogado. César adiciona um exemplo prático do DET: "Ali tem a publicação de quais funcionários fizeram empréstimo consignado, por exemplo, para a empresa descontar na folha. Se o contador não acompanhar [...] a empresa depois paga o valor."

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A visão do empresário

Para Célio Salles, empresário e conselheiro da Abrasel, a mudança é drástica.

"Eu acho isso perigosíssimo. Eu acho que o governo está se livrando da responsabilidade e passando para outra parte. Isso com pouca divulgação", critica.

Salles aponta barreiras que complicam a vida do pequeno empresário, como a própria multiplicação de canais de comunicação, o fato do e-mail cadastrado se tornar alvo de spams e a dificuldade operacional para quem possui mais de um CNPJ.

O contraponto

Apesar dos riscos, os advogados apontam um lado positivo crucial: a segurança. A digitalização, segundo Piragibe, evita problemas clássicos. "Evita o que aconteceu muito no passado, que é porteiro receber intimação de processo e não passar; é caixa de correio [onde a carta] extraviou; é o conluio de funcionários que recebem a intimação e colocam numa gaveta de propósito", lembra.

Montanarin concorda: "Ajudou pela unificação". Ela destaca que o DJE é nacional, impedindo que uma empresa seja processada em outro estado com um endereço errado e nunca saiba. "Não tem como ele ser revel por esse motivo".

Piragibe é taxativo sobre a necessidade de adaptação: "Ver rede social virou uma rotina, todo mundo está online, agora para abrir um e-mail, uma notificação, 'não consigo'. Não tem como negar o futuro", afirma Piragibe.

Como se proteger e estar na legislação

A adaptação exige uma mudança de cultura na gestão. Não basta cadastrar um e-mail e esquecer. Montanarin explica que o e-mail cadastrado (que por padrão é o mesmo da Receita Federal) recebe apenas um aviso sigiloso de que "chegou algo", mas não dá acesso ao documento.

Para donos de bares e restaurantes, o caminho é:

  1. Assumir o controle: acessar os sistemas (DET e DJE) com o certificado digital (e-CNPJ) da empresa e ir à área de "cadastro". Lá, é possível alterar o e-mail padrão e adicionar outros (até sete, no caso do DJE).
  2. Delegar com poderes: se for contratar um serviço (contábil ou jurídico) para fazer esse monitoramento, não basta "passar o e-mail". É preciso criar uma "procuração eletrônica" dentro dos próprios sistemas, dando permissão para que o terceiro acesse as intimações.
  3. Criar uma rotina: não confie apenas no aviso por e-mail. "Aqui no escritório, com o serviço contratado, além da gente receber o e-mail, a gente ainda faz a busca semanal", diz Montanarin.
  4. Buscar conhecimento: "O empresário precisa se inteirar", aconselha Piragibe. Sua colega, Montanarin, complementa: "Eles podem ir ao YouTube. Tem no próprio site do Sebrae o passo a passo ensinando a eles o que é o sistema, para que serve e como fazer o cadastro. São vídeos maravilhosos."

E embora a centralização digital traga segurança e unifique a comunicação, implementação atual coloca um fardo desproporcional sobre o pequeno empresário. A ordem é clara: é preciso buscar ativamente o controle desses portais ou pagar o preço de uma omissão que, agora, é 100% digital. 

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