A essa altura, você já sabe que o mercado brasileiro de delivery vive uma reconfiguração estrutural que vai muito além da entrada de um novo concorrente.
Essa disputa entre gigantes como iFood e Keeta não é apenas uma corrida por participação de mercado — é um reflexo da transição do delivery de serviço para infraestrutura. Trata-se de uma mudança de paradigma na forma como os restaurantes se relacionam com as plataformas, com os consumidores e com seus próprios dados.
Nesse novo cenário, quem não dominar os canais, os dados e a experiência, corre o risco de se tornar refém da tecnologia que deveria impulsionar seu negócio. Com um investimento inicial de R$5,6 bilhões em cinco anos e o respaldo da gigante chinesa Meituan, a Keeta se posiciona como uma candidata séria a romper o domínio quase absoluto do iFood, que hoje concentra cerca de 80% dos pedidos realizados por aplicativos no país.
O discurso de Tony Qiu, CEO da Keeta no Brasil, é direto: “Vamos usar nossa expertise para brigar com o iFood”. A frase, embora provocativa, revela uma estratégia que vai além da retórica.
A empresa pretende aplicar o modelo que a tornou líder na China — onde realiza mais de 80 milhões de entregas por dia — apostando em tecnologia de ponta, inteligência logística e uma política agressiva de incentivos para restaurantes e entregadores.
Mas o Brasil não é a China. E o mercado brasileiro de delivery, embora em expansão, carrega especificidades que desafiam qualquer tentativa de replicação direta. Estima-se que cerca de 150 milhões de pedidos sejam feitos mensalmente no país por meio de plataformas digitais, e um volume equivalente por outros meios. Isso revela uma oportunidade para crescimento do consumo por aplicativos.
Mais do que uma nova plataforma, a Keeta traz consigo uma visão de negócio baseada em dados, automação e escala. Se conseguir adaptar essa lógica ao contexto brasileiro, respeitando a cultura dos pequenos negócios, a informalidade das operações e a complexidade logística das cidades, poderá, de fato, inaugurar uma nova era no delivery nacional.
E você com isso?
Para bares e restaurantes, a chegada da Keeta pode representar uma oportunidade estratégica — desde que seja encarada com cautela. A promessa de taxas menores e maior rentabilidade é sedutora, sobretudo em um cenário onde as comissões cobradas pelas plataformas giram entre 20% e 27%.
A entrada da Keeta pode pressionar o iFood a rever suas políticas comerciais, o que seria benéfico para os operadores do setor. Mas também pode gerar instabilidade, fragmentação da base de clientes e uma nova dependência de incentivos temporários.
Em outras palavras, o risco é que a disputa entre gigantes acabe por desorganizar o ecossistema de pequenos e médios negócios, que já operam com margens apertadas e alta volatilidade de demanda.
Este texto tem caráter opinativo. As ideias e conceitos expressos no artigo são de inteira responsabilidade do autor.
