O mercado de alimentação fora do lar (food service) é um dos mais concorridos do Brasil, com cerca de 1,5 milhão de estabelecimentos em todo território nacional. Diante de um cenário tão competitivo, o posicionamento comum entre chefs e empresários sempre foi o mesmo: desbravar territórios e traçar estratégias de como vencer a concorrência. Mas alguns empreendedores têm encarado esse cenário e enxergado outra perspectiva.
Na cena gastronômica de Belo Horizonte, uma nova geração de chefs e empreendedores têm se movimentando contra essa disputa diária. O Bar Padrin, situado no bairro Carmo, região Centro-Sul, tem sido um dos palcos dos eventos de colaborações entre bares e restaurantes da cidade.
Daniel Tassi, chef e sócio-proprietário, comenta que esses eventos especiais de colaboração entre restaurantes não nasceram de alguma estratégia de marketing desenhada por eles, mas de um sentimento compartilhado de admiração mútua.
Quando o assunto é bar ou restaurante, Belo Horizonte é uma das principais referências de destino. Não à toa, a capital mineira é conhecida como “a capital dos bares e botequins”. Ao invés de se desdobrar em inúmeras tentativas para disputar espaço e clientes, Tassi resolveu construir outro caminho para o Padrin.
“Como BH é uma cidade grande e recheada de ótimos bares e restaurantes, às vezes, a pessoa que frequenta um determinado bar ou restaurante acaba não conhecendo os outros. Quando nos juntamos para fazer esses eventos, conseguimos atrair os dois públicos, o que é muito benéfico para todo mundo. Quem colabora não fica para trás”, argumenta.
A cozinha do Bar Padrin já recebeu bares e restaurantes como Casa Riuga, Casa Gabo, Yōkai, Fuga, Koboshi e A Porca Voadora. Cada encontro promove um cardápio exclusivo, mesclando a culinária de cada restaurante convidado.
“Essa competição é criada por pessoas de ego inflado que acreditam que apenas o trabalho que executam é digno de reconhecimento. Competir é correr em círculos diariamente”Daniel Tassi
Bruna Rezende, chef e dona do Porca Voadora, charmoso bar e armazém no bairro Serra, na Região Centro-Sul de BH, destaca que a palavra colaboração reina.
“Não tem isso de competir. É puramente colaboração e é uma união mesmo. É um dia de cozinhar com alegria e é sempre uma honra convidar ou ser convidada por outras pessoas que admiramos”, destaca a chef.
As colaborações entre restaurantes partem de uma relação mais estreita entres os chefs, mas não deixa de funcionar também como uma publicidade orgânica de ambos os estabelecimentos.
Nesse caso, além do nome do negócio, as collabs funcionam também para quem opera nas cozinhas e quer espalhar seu nome, técnica, estilo e identidade para outros restaurantes. O sushimen Wdson Duarte Vaz, chef do restaurante Sushi Vaz, com unidades em São Paulo–SP e no Rio de Janeiro, utilizou os encontros entre cozinhas para expor a originalidade do seu trabalho, que chama atenção por mesclar as técnicas tradicionais japonesas com suas raízes mato-grossenses.
“Como eu tenho meu estilo próprio, eu queria levar meu trabalho a outros restaurantes japoneses. Quando eu vou para outros restaurantes, o cliente de lá vê meu trabalho e os clientes que me acompanham irão ver o trabalho da casa. De qualquer forma, um ajuda o outro”, destaca Vaz.
Em cidades ainda maiores como no Rio de Janeiro e São Paulo, Vaz enxerga essas oportunidades como um amadurecimento do mercado. Ele ainda detalha que é para que os clientes possam conhecer o trabalho de outros profissionais além dos que já têm o hábito de consumir.
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Uma faísca de criatividade
Colaborar com outras cozinhas pode ser uma experiência de treinamento da equipe do restaurante. Para a brigada do A Porca Voadora tem funcionado como um estímulo para a criatividade.
"Para o restaurante é um dia muito interessante para a operação. Fazer essa logística também tem um lado das criações, de sair daquele nosso cardápio do dia a dia”, destaca Rezende.
Sair da zona de conforto traz inspirações para melhorias nos processos diários, aprendizados e trocas que enriquece o potencial de toda a equipe. “O evento é uma forma de variar e criar outras coisas no meio de tanta correria. Tem essa vantagem criativa de colocar a cabeça para funcionar e estudar mais”, continua.
Os chefs e sócios, Caio Oliveira e Ana Carolina, fazem parte do circuito de novos nomes da gastronomia em belo-horizontina que tem transitado entre as colaborações. Os dois estão à frente do Yōkai, um bar com especialidade asiática, no bairro Savassi, na Região Centro-Sul.
De maneira solidária, mas também estratégica, as parcerias com os demais restaurantes fortaleceram o começo difícil dos dois empreendedores.
“Nós precisávamos testar nosso conceito para o público que queríamos atingir. Quando o projeto foi saindo do papel, nos reaproximamos de grandes cozinheiros que trabalharam conosco e que coincidentemente estavam com planos de abrir restaurante na mesma época. Esses intercâmbios acabaram fortalecendo a parceria”, conta Oliveira.
Para ele, as colaborações também têm impactado diretamente na elaboração de menus e outras provocações criativas. “Buscamos sempre ingredientes e técnicas novas para testar nos eventos colaborativos. Sempre levando em consideração ingredientes que estejam na janela de sazonalidade, técnicas novas para incrementar nosso cardápio e repertório e às vezes até mesmo desafios para exercitar nossa criatividade”.
Além da amizade, a união entre os restaurantes por meio dos eventos gastronômicos nutre a gestão dos negócios com conhecimento compartilhado. “Hoje, além da amizade que fortaleceu, discutimos sobre o futuro de nossos negócios, compartilhamos técnicas, ajudamos na solução de problemas, troca de fornecedores e tudo aquilo que for necessário para que todos que estão juntos cresçam”, conta Oliveira.
A exclusividade como experiência
Entre inúmeras vantagens para os restaurantes, uma, em especial, tem a ver com a experiência do cliente, um assunto quente no mercado atual. A ideia de realizar um cardápio único por apenas um dia, mesclando nomes e técnicas diferentes, transmite um gatilho da exclusividade, o que pode ser um excelente gancho para atrair clientes em dias menos frequentados.
Nesse sentido, o restaurante Ama.Zo, do chef Enrique Paredes, em São Paulo, oferece a especialidade da casa para curiosos pelos ingredientes e sabores peruanos, aproveitando recursos da culinária brasileira.
Para o cliente, o benefício sempre vai ser a experiênciaEnrique Paredes Geralmente, a cozinha que recebe se mobiliza para possíveis adaptações ao restaurante ou chef convidado e os pratos são criados mesclando conceitos.
“Se é um boteco, eu levo um prato mais informal, que tenha uma facilidade na elaboração. Se é um bar, a gente faz pratos mais rápidos de servir, entendendo que o drink também tem um tempo de preparação, não dá para fazer pratos muito complexos. Se é um restaurante, a gente vai com os nossos pratos mais técnicos, levamos um pouco da nossa cozinha para as pessoas conhecerem o nosso menu”, explica Paredes.
No mesmo ritmo, a chef do restaurante A Porca Voadora destaca o fator exclusividade da experiência. “O cliente vai vivenciar cardápios e preparos que não estão no menu do nosso restaurante no cotidiano”, compartilha Rezende.
Um conjunto de fatores conecta a popularidade das novas parcerias gastronômicas. Os eventos somam cardápios exclusivos, experiências únicas, trocas de conhecimento entre equipes e provocações criativas. O intercâmbio entre cozinhas ainda proporciona uma leveza, amizade e parceria em um cenário quase sempre tomado pelo espírito de constantes competições.
O chef e sócio do Yōkai comenta sua perspectiva de como as colaborações fortalecem o mercado na totalidade. “Estamos em um cenário que as pessoas buscam cada vez mais novidades e qualidade, quanto maior for a oferta de bons bares e restaurantes mais o público se beneficia disso. Estamos em uma das cidades com maior relevância gastronômica (Belo Horizonte) e tem espaço para muita gente crescer”, finaliza Oliveira.
