A Amazônia deseja ocupar o centro do prato – e do mundo. Com a realização da Feira Internacional de Gastronomia Amazônica (FIGA), em Manaus–AM, o Brasil dá mais um passo estratégico para posicionar a gastronomia da região norte do país como um importante ativo econômico.
Em um momento em que o planeta busca soluções para crises climáticas, alimentares e sociais, com os reflexos da COP30, a Amazônia oferece respostas que vão muito além da floresta. A riqueza entre a mistura do sabor com a sustentabilidade pode transformar a região em um dos principais destinos de turismo gastronômico do mundo.
Para se ter uma ideia, segundo a Organização Mundial do Turismo, 88% dos viajantes consideram a gastronomia um elemento determinante na escolha do destino, o que faz com que o turismo gastronômico seja uma das vertentes que mais crescem no mundo.
Em Manaus, o caminho é árduo, mas capitaneado pelo empresário Franco Andrade, da Franco’s Pizza, a Abrasel no Amazonas lidera esforços para que o turismo sustentável, com destaque para a gastronomia, se torne um fator cada vez mais forte para a economia.
“O turismo gastronômico tem muito chão pela frente para poder realmente ser considerado uma matriz econômica. Precisamos de um projeto que vai além do próximo governo ou do governo atual, um plano de estado realmente. Dessa forma, eventos como a FIGA nos ajudam a dar uma visibilidade à gastronomia amazônica e sua importância sócio-cultural. O turismo gastronômico não move montanhas sozinho, mas pode ser protagonista se vier acompanhado de outros atores”, destaca.
Desafios logísticos a serem vencidos
O Amazonas tem a pior estrutura logística do Brasil, segundo o Ranking de Competitividade dos Estados divulgado em 2023. Isso inclui falta de estradas, portos com capacidade limitada e ausência de hidrovias balizadas.
Segundo a empresária Natalina de Almeida, da BS Distribuição, empresa que abastece o mercado de alimentação fora do lar (food service) na região, “o cenário é desafiador com a dificuldade no transporte de insumos e produtos. Um exemplo claro é a BR-319, uma rodovia federal de 885 km que conecta Manaus a Porto Velho e conhecida por seu estado precário e trechos não pavimentados, rendendo o apelido de Rodovia Fantasma".
A estrada, construída na década de 1970, é vital para o transporte na Amazônia, mas o trecho do meio (aproximadamente 400 km) é especialmente crítico, com muitos atoleiros e pontes de madeira, tornando a viagem longa e perigosa.
A localização geográfica de Manaus, isolada por floresta e rios, dificulta o transporte terrestre de insumos, tornando o abastecimento dependente de rotas fluviais e aéreas, que são mais caras e menos previsíveis.
Com esse cenário, bares e restaurantes enfrentam desafios para manter estoques regulares de ingredientes frescos e específicos, especialmente os que não são produzidos localmente. “Isso exige planejamento de compras mais antecipado e estoques maiores, o que aumenta o risco de desperdício”, analisa o empresário Rodrigo Zamperlini, que comanda o restaurante Mercato Brazil, em Manaus.
Autenticidade na experiência, sabor e sustentabilidade
Ainda com condições adversas, Manaus prova que algumas frases clichês podem sim ser verdadeiras, e chefs e empresários mostram que onde mora a dificuldade há também a oportunidade. A prova viva disso é o chef e empresário Hiroya Takano, à frente do restaurante Shin Suzuran, restaurante fundado há 47 anos.
Mestre Hiroya é reverenciado por outros cozinheiros e empresários. Nascido em Hokkaido, no Japão, e radicado no Brasil desde 1960, Takano é referência na fusão entre a gastronomia nipônica e os sabores da floresta.
Mesmo com um profundo respeito pela cultura amazônica, foi apenas em meados dos anos 2000 que o mestre Hiroya incorporou ingredientes amazônicos com a técnica japonesa. Alguns exemplos são o sunomono de vitória-régia com lichia, o sashimi de tucunaré - peixe encontrado em abundância na Amazônia nas águas escuras do Rio Negro e também o tempurá de urtiga-branca, uma panc (planta alimentícia não convencional) mais comum nesta região.
A hora da virada
Para os empresários de bares e restaurantes, a gastronomia amazônica representa uma oportunidade de ouro. Incorporar ingredientes da floresta aos cardápios é mais do que uma tendência: é uma estratégia de diferenciação, alinhada às demandas contemporâneas por sustentabilidade, rastreabilidade e autenticidade. O consumidor quer saber de onde vem o que come e a Amazônia tem histórias para contar em cada prato.
Mas é preciso ir além do marketing. Trabalhar com insumos amazônicos exige compromisso com a origem, com a sazonalidade e com os modos de produção. É hora de pensar em cadeias curtas, parcerias com produtores locais, certificações socioambientais e logística inteligente. A gastronomia amazônica não é exótica: é estratégica.
A realização da COP30 em Belém coloca a Amazônia sob os holofotes globais. A FIGA, nesse contexto, torna-se uma plataforma de projeção internacional. É a chance de mostrar ao mundo que a gastronomia amazônica é uma solução de baixo carbono, biodiversa e socialmente justa. E que o mercado de alimentação fora do lar deve ser protagonista nessa narrativa. Ao empresário, a pergunta que fica é: seu cardápio já conversa com a floresta?
