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Podcast O Café e a Conta mostra como nasce um restaurante autoral

Ana Clara e Túlio, da esquerda para a direita, proprietários do TOM Cozinha.| Foto: Divulgação

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Sócios do TOM Cozinha, em BH, falam sobre conceito da casa, desde o cardápio até o design de ambiente e refletem sobre o termo “cozinha de herança”

Gustavo Monteiro 24/10/2025 | 14:14

Abrir um restaurante é um desafio que envolve também construir uma identidade. Os empresários podem se perguntar: “Qual será o meu diferencial? Como transmitir personalidade? Como obter destaque em um mercado tão competitivo?”  

Foi com essa premissa que em BH os sócios do TOM Cozinha, Túlio D’Angelo e a chef Ana Clara Valadares, decidiram transformar uma ideia em realidade. Em um bate-papo com o jornalista Danilo Viegas, do podcast O Café e a Conta, eles compartilharam os bastidores da criação do restaurante que vem conquistando Belo Horizonte com sua proposta de “cozinha de herança”. 

Instalado na Galeria São Vicente, o TOM Cozinha nasceu há pouco mais de três meses e já se tornou referência na cidade. Mas, segundo os fundadores, o sucesso não veio apenas da comida: veio da coragem de empreender e da clareza de propósito. 

“A primeira coisa que nasce é o conceito”, afirma Ana Clara. “A definição de imagem, identidade e o que se quer transmitir é essencial para criar algo diferente.” Túlio complementa: “Antes de tudo, tem que nascer a coragem. É preciso internalizar a decisão de abrir um restaurante e estar pronto para isso.” 

“O que faz um restaurante nascer?” A resposta para essa pergunta, segundo os fundadores do TOM, passa por dois pilares: conceito e coragem. Ana Clara acredita que o ponto de partida é a ideia — o que se quer transmitir, servir e como se quer fazer isso. Para ela, a definição de identidade é o que torna um restaurante coerente. 

Túlio, por sua vez, destaca que antes mesmo do conceito, é preciso ter coragem. “Aquele pontapé inicial, de dizer ‘eu vou abrir meu restaurante’, é o passo primordial”, afirma.

Essa combinação de ousadia e clareza resultou em um restaurante que foge dos nichos tradicionais e aposta em uma proposta autoral: a cozinha de herança.

Para Ana Clara, trata-se de uma herança cultural e emocional que se transmite por meio da comida. “Eu me apego neste termo e entendo que a cozinha de herança que eu estou propondo é uma cozinha que eu recebi tudo na mesma proporção e tudo na mesma importância: da cozinha de interior, das festas de congado, do tacho, da panela, do fogão a lenha do quintal do meu avô ou da minha casa”, diz. 

Essa herança se traduz em um cardápio que, embora tenha raízes na culinária mineira tradicional, incorpora outras referências e vivências da chef, refletindo a pluralidade cultural de Belo Horizonte. O conceito também dialoga com uma tendência crescente entre os brasileiros: a valorização da culinária regional e dos saberes ancestrais.  

Confira abaixo alguns trechos do bate-papo.

B&R: Em entrevista ao programa Conversas com Bial, o jornalista Alê Lorençato disse não acreditar no termo “cozinha afetiva” dentro de um restaurante profissional. Como vocês enxergam esse conceito? 

Ana Clara: Eu acho que o termo “Cozinha Afetiva” se vendeu bem nos últimos dez anos. Hoje ele não se sustenta mais. Eu acho que a cozinha afetiva, de fato, pode ser um conceito, pode ser um marketing, caso você sustente isso dentro do seu restaurante. Então o restaurante é genuíno e nasce em um restaurante nichado de uma cozinha de afeto, por exemplo. [...] Numa cozinha profissional não existe afetividade, porque é trabalho. Às vezes você trabalha mal-humorado e o prato sai gostoso mesmo. São os dois melhores temperos: o amor e o ódio e esse visual está equilibrado dentro de uma cozinha. 

Talvez novos conceitos surjam como uma tentativa legítima de ressuscitar um pouco o conceito de restauração de um restaurante, como um lugar acolhedor e de boas memórias, concordam? 

Túlio: Acho que por um tempo a gente se esqueceu disso e passou tanto para o lado da invencionice, de ser o diferente, de entregar algo diferente que a gente esqueceu do básico, a gente esquece nossa referência. Talvez essa parte da herança, tão presente no restaurante, por não ser só contemporâneo, não ser só a modernidade, tem que ter um pouco de história. E isso, quando se utiliza a coisa mais processual e fácil de entregar, automatizada, que faz a necessidade da gente restaurar, não nesse ponto, mas na restauração do termo mesmo e igual afeto. E hoje, inegavelmente, se entende até pelo momento que a gente vive os passos atrás que nós temos que deixar de ser um lugar que ele vai te entregar carinho. 

Ana Clara: Por muito tempo também esqueceu-se que sentar num restaurante e ser bem atendido é o mínimo. Você comer bem no restaurante é o mínimo, porque você está ali para se restaurar, e eu acredito muito na mesa, no coletivo da mesa. Se nós três estamos aqui ao redor de uma mesa, a gente está trocando uma ideia, se a gente está aqui em volta de uma refeição pra celebrar alguma coisa. Então, a restauração vem disso, de ser bem atendido, de comer bem, de sair melhor do que você entrou. Um restaurante em si não está ali só para inventar uma moda, não está ali só para criar um conceito. Os conceitos funcionam por um tempo e caem em desuso, mas aquela experiência que te marca vai com você para o resto da sua vida. 

Vocês já tiveram que explicar como é a cozinha de herança para a clientela?

Túlio: A explicação é muito fácil. Se a gente fizer no nosso ponto do dia a dia, são as heranças da Ana, das experiências dela e tudo o que ela acumulou durante anos de trabalho árduo. Isso cai como uma luva para o cliente quando ele consegue compreender isso, até se for uma pessoa que se interessa por conceito, ele normalmente já se interessou pela história da Ana e começa a identificar ali nos pratos um pouco da história dela, de cada lugar que ela passou. 

Um cronista gastronômico, o JB, tem uma frase que gosto muito: ‘todo mundo quer ter um pequeno produtor para chamar de seu’. Como vocês procuram seus fornecedores? 

Ana Clara: Tem que ser ancorado de uma maneira sustentável financeiramente. Então ele tem que se equilibrar em algum ponto. Ninguém vive só de boas intenções. [...] Como cozinheiro, chef de cozinha, é óbvio que eu queria trabalhar com os melhores. É óbvio que eu queria ter os equipamentos mais caros, mais chiques e ou porque eu queria ter só um pequeno produtor, mas no macro é inviável, porque o pequeno produtor, dependendo do tamanho, ele não consegue te atender, então você acaba vendendo a história do pequeno produtor e não usando o produto dele, que é uma história que não se sustenta. 

Confira a conversa completa no episódio do podcast "Café e a Conta #125 - TOM Cozinha: como nasce um restaurante com identidade?", disponível no Youtube e Spotify

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