A cachaça brasileira é um dos produtos nacionais mais celebrados na cultura de bares e restaurantes, sendo a opção favorita para muitos entusiastas da coquetelaria. Rica em sabores, fragrâncias e sensorialidades, a cachaça – ou pinga – exibe uma história igualmente vasta e interessante. Porém, ainda há pouca consistência e criatividade no uso da bebida como recurso estratégico para alavancar o tíquete médio do negócio.
É comum que donos de bares e restaurantes escondam o destilado nacional entre bebidas importadas, como whisky, vodca e tequila, ou mesmo subestime a capacidade da cachaça brasileira de se destacar entre diferentes públicos.
Antes dos casos de intoxicação por metanol, segundo estudo da Scanntech, divulgados pela CNN Brasil, a cachaça vinha em uma crescente, com aumento de 200% das vendas ao longo de 2024 e 2025, sinalizando o aumento do interesse do público pelo destilado.
Queremos mostrar neste texto que, através de uma estratégia clara, consistente e bem elaborada para atender as necessidades de seu negócio, a cachaça pode enriquecer seu cardápio e aumentar sua receita.
Breve história da cachaça
O Instituto Brasileiro da Cachaça indica que a primeira destilação da cana que produziu a cachaça tenha ocorrido em algum engenho no litoral brasileiro durante as primeiras décadas do século XVI. Não se sabe ao certo se foi produzida acidentalmente por escravos, ou se experimental por colonos portugueses, mas fato é que a bebida surgiu há alguns séculos.
Tanto tempo permitiu o desenvolvimento de diferentes técnicas e processos para a destilação da bebida, além da descoberta de variações da cachaça, que a depender de seu método de preparo, podem variar em cor, sabor, teor alcóolico, textura, fragrâncias, sensorialidade e, é claro, valor.
Definida como “denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38 a 48% em volume, a 20°C, obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar, podendo ser adicionada de açúcares até seis gramas por litro” a cachaça se popularizou ao longo das décadas e passou a ser matéria de exportação.
Entretanto, foi apenas em 2001 que a cachaça brasileira foi reconhecida como Indicação Geográfica (IG), o que reforça sua identidade única. Segundo dados de 2023, duas décadas após o reconhecimento, existiam 1.207 cachaçarias em atividade no país.
Indicação Geográfica (IG)
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A cachaça como ingrediente de brasilidade
A brasilidade é hoje uma vantagem competitiva clara — os consumidores, especialmente os jovens e turistas, buscam autenticidade, sabor local, narrativa.
Isadora Fornari, especialista e consultora internacional em bebidas, resume bem:
“[a brasilidade] deveria ser seu dia a dia. Deveria ser fluente, mas não é. Deveria ser cotidiano, mas não é. É tão esporádico as pessoas usarem o Brasil com naturalidade que acaba sendo algo exótico para o próprio brasileiro".
A cachaça basileira, por sua profunda ligação com a história, os engenhos, e as culturas regionais, oferece isso mais do que quase qualquer outro destilado importado. Além disso, cada estado, cada alambique, cada madeira de envelhecimento empresta características únicas. Essas variações geram diferenciais de aroma, sabor, textura — fatores exploráveis em coquetéis autorais. Ao contar histórias através de seus ingredientes, reforça-se o apelo ao turismo e ao público culturalmente curioso.
Cachaça brasileira: boa de beber, boa de vender
Usada com estratégia, a cachaça se encaixa no cardápio não só como uma alternativa culturalmente ativa para coquetel, mas também uma ferramenta para impulsionar o tíquete médio, seja pura ou através de coquetéis autorais. Isadinha, conta em conversa no podcast O Café e a Conta da ocasião em que lhe perguntaram como impulsionar a margem através dos produtos.
Você tem que comprar os produtos certos. Isso significa olhar mais para dentro do Brasil. Não é porque é importado e caro que é melhor.Isadinha
A cachaça, ao contrário de muitos produtos importados, já possui uma base produtora extremamente consolidada no país, além de também bastante próxima dos bares e restaurantes, o que torna a troca entre fornecedor, restaurante e consumidor final, muito mais rápida e barata, no fim das contas.
Um erro de gestores costuma ser lotar a cartela de coquetelaria com diversos itens que apenas aumentam os custos da operação. A cachaça brasielira, com sua variedade e possibilidades inúmeras de coquetéis autorais (versões da caipirinha com frutas da estação, por exemplo), reforçam a identidade e ainda enxugam seu cardápio.
A cachaça é mais que apenas um destilado “barato”. É um elemento chave em uma operação estratégica.
- Desenvolver drinques exclusivos com cachaças diferenciadas (brancas, envelhecidas, de madeiras regionais) permite cobrar mais: coquetéis autorais têm percepção de valor alto, principalmente quando bem apresentados e com ingredientes regionais complementares;
- Apostar em degustações guiadas, harmonizações com comidas regionais, carta de cachaças por perfil sensorial (mais doce, mais herbáceo, mais defumado etc.). Essas experiências elevam o consumidor de “pedir o que sempre” para “experimentar algo novo”;
- Jovens valorizam o que é diferente, sustentável, local. Transforme cachaça em elemento Instagramável: drinques bonitos, refrescantes, com ingredientes visuais fortes como frutas brasileiras, flores, ervas, gelo tipo “pedra grande” etc;
- Turistas querem autenticidade: oferta de drinques que contém uma história, tours de bar ou cachaçarias próximas, palestra rápida ou pequeno material no cardápio que explica a origem do destilado usado, pode adicionar experiência.
Mas para colher esses frutos, é preciso planejamento e isso inclui: definir quais rótulos usar, entender perfis sensoriais, capacitar a equipe para oferecer experiência (não apenas servir), contar a história, investir em apresentação e, antes de mais nada, entender qual é a identidade de seu negócio e como você pode valorizar a cultura ao seu redor, seja em produtos da estação ou de produtores locais. Bares e restaurantes tornam-se marcantes quando deixam de tentar agradar a todos e abraçam uma identidade clara.
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